Acendo um incenso de capim-limão, ponho a água do café no fogo enquanto ela dorme abraçada com meu travesseiro. Ouço os cantos dos pássaros da janela, vejo que meu pé de lírio deu flor. Colho a poesia de um domingo preguiçoso enquanto passo o café. Penso que amanhã já é segunda e o amor vai acabar – será?
[Território Beija-Flor]
Versos rimados para narrar a dificuldade das finitudes passageiras de um momento amoroso. Como se cristaliza dentro de nós um modus operandi de garantia estendida para as (pequenas) relações afetivas. O querer viver “o para sempre” a experiência sexual-afetiva pode ser um sinal perigoso de possessividade.
Estamos acostumadas às permanências duradouras porque o tempo capitalista mercantilizou os afetos. Há um medo de deixar ir o que não é nosso – eu não sou sua posse!
Nessa urgência de edificar os momentos, deixamos escapar o agora. Em todos os segundos que estive com você, eu estive com você. Mas não me queira aqui para sempre, pois o amanhã se constrói na circularidade da vida. No rodopiar dos ventos, no fluxo das águas e até na chegada de uma despedida, de um até quem sabe.
É querer pensar as relações a partir da perspectiva do ciclo. Um começo, meio e começo de experimentações amorosas capazes de me fazer voltar para mim cada vez que eu lhe encontro.
Eu permito que você vá inteira na mesma proporção em que eu permaneço completa em mim e em conjunto de tudo aquilo que foi nossa troca – mesmo que tenha sido só por uma noite.
Plantar possibilidades de fins sem deixar estilhaços de um coração partido por não saber o ensaio do adeus-breve. Desejar ver o voo de quem você gostou sem precisar ser as asas dela ou se responsabilizar pela sua alegria.
Confluir nossos sentimentos para as percepções mais genuínas que estão assentadas na natureza orgânica do existir. Sem grandes densidades corrosivas que nos paralisam para o que foi concebido como sendo Amor. Sem a necessidade latifundiária do “eu te amo” egoísta e narcísico.
Eu posso lhe amar na mesma intensidade com que desejo a vida e as pessoas. Feito banquete, posto à mesa para que toda a comunidade desfrute comigo as insurgências amorosas (in)possíveis de um bem viver.
Estou sendo uma preta não monogâmica que se preocupa muito mais em reflorestar os meus~ e os nossos~ caminhos de amorosidade do que com as definições do que eu anuncio como não monogamia.
Por um jardim afetivo sem cercas tem sido minha pedagogia de luta.
Aprendendo a lidar com o tempo da semeadura das insurgências amorosas e fazendo a pergunta: quais sementes de amor você tem a me oferecer?
Consultando a sabedoria do tempo para a chegada da colheita cotidiana do amor.
E nutrir o coração com a tranquilidade confluente da poesia de si que se integra ao coletivo de possibilidades insurgentes de viver outras formas de amar. Pois já não há mais tempo senão da descolonização dos afetos.
Cláudia Kathyuscia Bispo de Jesus é sua professora-poeta-queer.
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