O estado do Rio de Janeiro teve 811 mortes decorrentes de intervenção policial de janeiro a julho deste ano. É o segundo maior índice de letalidade policial desde 2007, atrás apenas de 2019 — primeiro ano do governo de Wilson Witzel (PSC).
De todos os homicídios cometidos no estado do Rio nos últimos 7 meses, 38% foram decorrentes de intervenção policial. A porcentagem é a maior nos últimos 15 anos.
Os dados são do Instituto de Segurança Pública (ISP). Eles foram compilados pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) e obtidos com exclusividade pela GloboNews.
Em relação ao mesmo período do ano passado, houve aumento de 88,2%. O crescimento ocorre mesmo com a restrição imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a operações policiais no estado.
Investigação x IPM
Os números em alta não se refletem nos inquéritos policiais militares (IPM) abertos pela Corregedoria da Polícia Militar. De janeiro a cinco de julho deste ano, foram apenas 43.
Nesse mesmo período, apenas cinco PMs eram investigados. Esses dados – também inéditos – foram obtidos pela GloboNews, via Lei de Acesso à Informação.
O controle da atividade policial militar é feito de várias formas e é fundamental pra coibir abusos, uso excessivo da força, desvios de conduta e corrupção. Todo comandante de uma unidade da Polícia Militar tem o poder de instaurar um inquérito policial militar seja para investigar uma infração administrativa, seja para investigar um crime.
No entanto, além dos comandantes, é essencial o papel da Corregedoria da Polícia Militar. Ela é responsável por receber e analisar todos os IPMs dos batalhões e outras unidades, e depois, se for o caso, para dar continuidade às investigações, encaminhá-los para o Ministério Público Estadual. Mas não apenas isso. Por determinação do comandante-geral, a corregedoria abre suas próprias investigações.
“A corregedoria tem um papel estratégico. Quando você tem a imputação de um crime a um policial militar é problemático ele ser investigado pela própria unidade onde trabalha. A corregedoria tem essa função estratégica de instaurar os inquéritos mais complexos, relacionados aos crimes mais graves”, explicou o promotor Paulo Roberto Mello Cunha, titular da 2ª Promotoria de Justiça junto à Auditoria da Justiça Militar do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
Queda no número de IPMs
O problema é que, desde o início de 2019, o número de inquéritos policiais militares instaurados não para de cair.
“Historicamente, os controles internos e externos da atividade policial nunca foram muito efetivos no Brasil, em geral. E no Rio de Janeiro, em particular. Mas, a partir da eleição do governador Wilson Witzel e a continuação de uma mesma linha de atuação como governador Cláudio Castro, piorou muito”, criticou o coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, Daniel Hirata.
“Tivemos o fim da Secretaria de Segurança Pública e da Corregedoria Geral (Unificada), que eram parte de um arranjo institucional que oferecia um controle social e político sobre a atividade policial. Da maneira como a coisa está organizada agora, há uma autonomia excessiva às forças policiais e aí, portanto, os processos investigatórios, eles tendem mesmo a ficar minorizados”, afirmou o pesquisador.
Em 2018, o último ano da antiga administração estadual, foram abertos 241 IPMs. Esse número só foi diminuindo: 118 em 2019, e 93 no ano passado. Os dados levantados via Lei de Acesso à Informação mostram ainda que, de janeiro a cinco de julho deste ano, foram 43 inquéritos instaurados.
Na comparação entre os dados de policiais militares investigados, o número despencou de 325, em 2018, para 59 PMs em 2020. Neste ano, até a data de conclusão do levantamento, apenas cinco PMs eram investigados.
Para o ex-corregedor da Polícia Militar, Victor Yunes, que esteve à frente do órgão em 2015, o mais importante é investir no fortalecimento da própria corregedoria e reforçar o aspecto da correição.
“O problema de segurança pública envolve uma discussão maior, o próprio governo, o chefe do governo, Ministério Público, Judiciário, as polícias, a sociedade, os seus representantes, porque a partir dessas parcerias, em prol de uma fiscalização mais eficiente, fortalecimento correicional e inteligência, para fazer com as coisas rumem um pouco mais positivamente para uma polícia com entrega de serviço de melhor qualidade.”
O promotor Mello Cunha completa: “É claro que nenhum serviço correicional ou nenhuma atividade de fiscalização é popular entre aqueles que são investigados, mas uma análise racional da atividade correicional tem a função de proteger o bom policial, de realçar o trabalho feito corretamente e de não só castigar, no sentido de expulsar da corporação, mas também de perceber as falhas e de permitir que a própria polícia se aperfeiçoe e crie mecanismos de correição interna, de falhas que não são necessariamente crime.”
O que diz a PM
Em nota, a Polícia Militar respondeu que o número de inquéritos instaurados não está diretamente relacionado ao número de policiais militares investigados.
“O Inquérito Policial Militar (IPM) apura as circunstâncias dos fatos que, por sua vez, podem iniciar com poucos ou, até mesmo, nenhum investigado. No decorrer da linha de investigação, outras pessoas podem ser incluídas, resultando em um, mais de um ou, até mesmo, nenhum policial militar investigado”, diz a nota.
A corporação informou ainda que “não há dados da antiga Corregedoria Geral Unificada que comprovem um aumento ou queda de produtividade da Corregedoria Geral da Polícia Militar” e que mantém o compromisso de apurar os desvios de conduta internos e de melhorar os serviços prestados.