Por que dizer ‘não’ ao Estatuto da Família

Manifesto pela liberdade de escolha e diversidade dos formatos de família no Brasil

O conceito de família está prestes a passar por uma revisão na legislação brasileira. Mas, ao invés de incorporar os novos formatos de núcleos familiares, o Estatuto da Família quer manter como única célula-chave da sociedade a união entre um homem e uma mulher.

Relator desse projeto de lei — PL 6583/2013, o deputado federal Ronaldo Fonseca (Pros-DF) vai apresentar, nos próximos dias, seu parecer à comissão especial criada para analisar a matéria na Câmara dos Deputados. Ele já antecipou que deixará de fora do texto final o entendimento de que uma família pode ser constituída pela união de dois homens e de duas mulheres.

A Câmara convidou a sociedade a participar de uma enquete online, desde fevereiro, para embasar a decisão dos parlamentares. A pergunta ao público é: Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?

A disputa está apertada entre o “Sim”, defendido sobretudo por segmentos conservadores e grupos evangélicos, e o “Não”, entoado por juristas, militantes dos direitos LGBT e defensores de direitos humanos.

O Brasil Post se posiciona claramente favorável a todas as modalidades de famílias sintonizadas com a realidade contemporânea, que contemplam os casais de homens e os casais de mulheres, em regime de união estável ou casamento civil, com ou sem filhos.

Por isso, votamos “Não” na enquete e defendemos, neste manifesto, que os deputados federais considerem o respeito à diversidade e à liberdade de escolha individual para reformular o Estatuto da Família, antes de sua aprovação.

Reunimos argumentos de autoridades contra e a favor, mas destacamos que a sociedade só conseguirá avançar nesta questão ao reconhecer que a união homoafetiva pode, sim, constituir uma família.

::: Participe da enquete sobre o conceito de família

Estatuto da Família: Origens e Controvérsia

O projeto de lei de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE) propõe uma série de ações que buscam a valorização da família no contexto contemporâneo, marcado por “questões complexas” como o uso crescente de drogas e a violência doméstica.

A intenção do Estatuto da Família é nortear políticas públicas para o resgate do papel central das famílias, assegurando que o Estado efetive direitos fundamentais a elas.

O ponto controverso, entretanto, é a restrição do conceito de “família” àquela formada por casais heterossexuais ou por qualquer um dos pais com seus filhos, seja porque se divorciaram, ficaram viúvos ou os criam solteiros.

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Em entrevista à revista Fórum, o autor do estatuto explicou por que manteve a definição heteronormativa:

“Na Constituição brasileira se afirma que a união estável é constituída por um homem e por uma mulher; isso é o centro da família. Estou obedecendo uma regra que está determinada na Constituição brasileira.

De fato, a Constituição Federal, datada de 1988, estabelece esse pressuposto:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O relator do PL, deputado Ronaldo Fonseca, sugere que reconhecer casais gays como uma alternativa de família seria equivalente a impor um novo padrão à sociedade.

“Família é constituída por marido e esposa, papai e mamãe. As próprias pessoas que reivindicam esses direitos não existiriam se não fossem o papai e a mamãe. Se querem viver juntos, isso é problema deles, mas a sociedade não é obrigada a seguir o modelo que um grupo quer.”

O pensamento do parlamentar incorre em erro, pois em nenhum momento se defende que a sociedade seja “obrigada a seguir o modelo” de casais gays.

O que os defensores da igualdade dos direitos civis buscamos é o reconhecimento desse tipo de arranjo familiar — não como exclusivo, não como modelo a ser seguido, mas sim como uma realidade possível, legítima e legal. Como uma alternativa e não como única opção.

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Judiciário na vanguarda

A ampliação do conceito de família, que está em debate no Legislativo neste momento, já foi garantida pela Justiça brasileira.

Duas decisões históricas abriram a porta da frente para casais de mulheres e casais de homens serem vistos pela sociedade como quaisquer outros.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo.

À época, o relator das duas ações ajuizadas sobre o tema na Corte foi o então ministro do STF Carlos Ayres Britto. Ele baseou seu voto na própria Constituição, que busca “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Ayres Britto fez uma defesa tão jurídica quanto apaixonada da igualdade:

“Nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a perene postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração.”

O ex-ministro do STF Joaquim Barbosa acompanhou o relator, argumentando o descompasso entre a realidade e o universo das leis.

“O direito não foi capaz de acompanhar as profundas e estruturais mudanças sociais não apenas entre nós, brasileiros, mas em escala global. (…) O não reconhecimento da união homoafetiva simboliza a posição do Estado de que a afetividade dos homossexuais não tem valor e não merece respeito social. Aqui reside a violação do direito ao reconhecimento, que é uma dimensão essencial do princípio da dignidade da pessoa humana.”

Em 2013, sob o comando de Barbosa, o Conselho Nacional de Justiça autorizou o casamento civil de gays em todo o País.

resolução 175/2013 converte a união estável, permitida pelo STF, em casamento. Os cartórios foram proibidos de se recusar a fazer esse tipo de celebração.

Com o Judiciário na vanguarda, cabe agora ao Congresso Nacional dar um passo adiante e aproveitar o momento do debate do Estatuto da Família para fazer esse reconhecimento.

Só assim estarão carimbadas em Lei a igualdade dos diferentes tipos de afeto e a coroação do amor independentemente de orientação sexual.

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