Mulheres pretas de todo o país vão a Brasília nesta quarta-feira protestar contra o racismo e a violência que as vitimam
Por Flávia Oliveira Do O Globo
Pela primeira vez na História, mulheres negras vão marchar até Brasília em protesto contra o racismo, a violência, a intolerância religiosa e as más condições de vida que enfrentam desde que o Brasil é Brasil. A data escolhida foi o 18 de novembro, antevéspera do Dia Nacional da Consciência Negra. A expectativa das organizadoras é reunir milhares de manifestantes, que gritarão na Praça dos Três Poderes pelos 54,9 milhões de brasileiras que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2014), se autodeclaram pretas ou pardas. É mais uma demonstração de protagonismo feminismo, em tempos de campanhas #oprimeiroassédio e #agoraéquesãoelas, da persistente violência de gênero como tema da redação do Enem, de atos e caminhadas contra a ameaça aos direitos femininos patrocinada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e seu séquito conservador.
A MARCHA NACIONAL está em construção há pelo menos um ano. Entidades de mulheres de todos os estados se articularam para mobilizar ativistas e montar o rol de reivindicações, que englobam trabalhadoras urbanas, desempregadas, mães, sem teto, camponesas, quilombolas. Estará contemplada a agenda dos direitos sexuais e reprodutivos presente em todo e qualquer manifesto feminista, só que ancorada na defesa das que mais padecem com o ambiente discriminatório do sistema de saúde. Nas mortes obstétricas, duas de cada três vítimas têm a pele preta ou parda.
No início da semana passada, ONU, Opas/OMS, Secretaria de Políticas para Mulheres e Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) tornaram público o “Mapa da violência 2015 — Homicídios de mulheres no Brasil”. O feminicídio é crescente no país desde 2008; o último dado dá conta de 4.762 assassinatos em 2013. São 13 mortes por dia, o que faz do Brasil um dos cinco países com as maiores taxas de homicídios femininos (4,8 por cem mil habitantes).
Particularmente cruel é a situação das mulheres negras. Diz o documento: “Com poucas exceções geográficas, a população negra é vítima prioritária da violência homicida no país. As taxas de homicídio da população branca tendem, historicamente, a caída, enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros”. De 2003 a 2013, os assassinatos de mulheres brancas caíram de 1.747 para 1.576 vítimas por ano; os de negras subiram de 1.864 para 2.875.
“Esses números provam que faltam políticas públicas que singularizem a mulher negra. É preciso ênfase àquelas que sempre participaram da luta, mas ficaram para trás”, afirma Jurema Werneck, fundadora da ONG Criola, que na semana passada lançou campanha “Racismo virtual. As consequências são reais”, contra os ataques raciais na internet. É por isso que as negras marcham.
Mulheres negras perdem filhos, maridos, familiares aos milhares, ano após ano. O Brasil tem quase 60 mil homicídios por ano. De 2002 a 2012, o número de vítimas de cor branca caiu 19.846 para 14.928 anuais, enquanto as de pele preta ou parda saltaram de 29.656 para 41.127. Do total, 23.160 tinham entre 15 e 29 anos. É por isso que as negras marcham.
Na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), o IBGE computou 822 mil empregadas domésticas autodeclaradas pretas ou pardas, quase 60% do contingente total nas seis maiores regiões metropolitanas. Os cuidados com a casa e a prole alheias são a principal porta de entrada das negras no mercado de trabalho desde o Brasil Colônia. Passaram de mucamas e amas para arrumadeiras, cozinheiras, babás. Na média, mulheres negras ganham R$ 1.364 por mês, cerca de 44% da renda dos homens brancos, 75% dos negros e 60% das mulheres brancas. Por tudo isso, marchamos.