Com frequência ouvimos falar que um tal “reloginho” soa no corpo das mulheres quando a vontade de ter filhos enfim bate à porta. Na contramão dessa crença, entretanto, diversas mulheres não têm planos de engravidar: 14% das brasileiras, segundo o Censo 2010. E apesar de todas as conquistas femininas no campo da independência, não desejar a maternidade permanece como um tabu.
Quem escolhe não ter filhos precisa lidar com a sociedade: com as acusações de estar negando a própria natureza, ser egoísta, não ter maturidade para assumir essa responsabilidade, só pensar em trabalho ou não se importar com a família.
“Ao optar por não ser mãe, você é desqualificada como pessoa e tratada como um ser humano incompleto”, afirma Mariana Meriqui Rodrigues, pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da UFT e membro do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres Brasil.
Em um mundo de mulheres cada dia mais independentes financeira, social e sexualmente, o universo feminino se torna mais complexo e diversificado. Muitos fatores, portanto, deveriam ser considerados antes de partir para a máxima “toda mulher quer ser mãe”. Para explicar a opção de dizer não à maternidade, entretanto, quase sempre são usados argumentos do senso comum, sem considerar as experiências pessoais e a autonomia sobre o próprio corpo.
Desconstrução social
Nas últimas décadas, a mulher conquistou o direito de trabalhar fora, morar sozinha e conhecer a vida de solteira. Mas ainda carrega consigo a obrigação de ser mãe. “Desde que nascem, as dinâmicas sociais alocam as mulheres para um script de vida que inclui a maternidade. O papel determinado de gênero ainda é muito forte”, explica Mariana.
Nesses moldes impostos socialmente, é permitido que a mulher assuma diversas funções, desde que não deixe de cumprir outras, como cuidar dos afazeres domésticos ou ser mãe. Ao escolher não engravidar, ela quebra os estereótipos e o comportamento esperado. E isso incomoda. Apesar de todas as conquistas, ainda há um longo caminho de desconstrução do seu papel na sociedade.
Repensando conceitos
Desmistificar alguns conceitos é fundamental para tirar essa enorme pressão que a obrigação de ser mãe exerce sobre as mulheres. A começar pela visão de maternidade como um fenômeno simplesmente biológico.
Para Mariana, a medicina é utilizada como o principal argumento de naturalização da maternidade e a pessoa acaba sendo culpabilizada por suas escolhas pessoais. “Para justificar a necessidade de a mulher ser mãe, são citadas pesquisas que afirmam que o corpo foi feito para gerar filhos e que relacionam a não amamentação ao câncer de mama, por exemplo. Essas relações chegam a ser cruéis”, defende.
Da mesma forma, a pesquisadora acredita que é preciso rever a ideia do instinto materno como algo natural, já que toda relação, inclusive a de mãe e filho, é também construída socialmente.
Como estamos?
Vivemos um momento de luta e avanços, mas também de fortalecimento do conservadorismo, marcante inclusive nas políticas públicas. E o corpo feminino está no centro desse debate.
Para Mariana, tivemos um avanço considerável na circulação da informação para diversos setores da sociedade, mas assistimos também ao recrudescimento dos direitos da mulher. “O direito individual sobre o corpo, os direitos sexuais e reprodutivos estão sofrendo com um retrocesso que atinge as mulheres, principalmente as pobres e negras. Por isso, ainda há muito a se conquistar.”