Por que pobre vota em rico?

Para ela, só existe uma explicação para esse fenômeno brasileiro: disforia de classe. Veja se você é um disfórico classista.

por Ana Roxo no Nocaute

Porque pobre vota em rico? Vamos elaborar alguns conceitos a partir disso. O primeiro conceito que eu gostaria de jogar na roda, criado por mim mesma, é o conceito de disforia de classe.

Se você não sabe o que é disforia, é um termo emprestado da discussão de identidade de gênero, e disforia literalmente significa: sensação vaga, subjetiva e indeterminada de mal-estar.

Quando a gente está falando de disforia de gênero é uma sensação vaga, subjetiva de mal-estar com o gênero que você nasceu, com o seu corpo, não sei, não quero entrar nessa discussão, é muito complexa.

O que seria então disforia de classe, é um nome bonito pro bom e velho “come mortadela e arrota peru”, não, mortadela não pode falar mais, “come apresuntado e arrota presunto de Parma”. Disforia de classe é um pobre que acha que é rico.

Qual a solução para disforia de classe? A consciência de classe. Você é dono dos meios de produção? Não.

O Paulo Skaf te ligou? Não. Você foi no show fechado da Bebel Gilberto nas olimpíadas? Não. Então você é pobre. Todo dia acorda e olha pro espelho e fala: “eu sou pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré”. Conscientize-se disso, você é pobre.

Quando eu falo isso, as pessoas ficam muito ofendida, parece que eu estou chamando elas de um nome muito feio. Mas gente, tudo bem você ser pobre, acolhe no seu coraçãozinho, vai ser melhor pra você. Se conscientiza disso, não é feio, só é pobre, está tudo bem.

O segundo conceito que a gente tem que pensar é a ascensão do neoliberalismo como a única ideologia possível. Com o neoliberalismo vem a meritocracia, o self made man, a proteção da propriedade privada, a individualização do sucesso e do fracasso.

E tudo isso está tão dentro do nosso pensamento que as pessoas não conseguem imaginar outras possibilidades de mundo, porque essa possibilidade de mundo que tem aí, não é única.

O neoliberalismo se tornou tão naturalizado que as pessoas não percebem que isso é uma ideologia, porque a gente fica assistindo filme sobre isso, propaganda sobre isso, todo discurso empreendedor é sobre isso.

A ponto de se eu falo, os grandes empresários donos dos meios de produção são seus inimigos porque você é pobre, as pessoas ficam em desespero, mas se não tiver empresários quem vai pagar os nossos salários?

Como consequência da vitória da ideologia neo-liberal a gente tem a derrota de uma ideologia de esquerda, derrota de uma ideologia socialista e derrota de outras pautas para o mundo, de outros modos de viver. Então a ideologia neo-liberal dominou o mundo, onde ela não dominou os Estados Unidos levou exércitos, então ela dominou o mundo, não tem escapatória.

Então fica muito difícil você fazer a criatura imaginar uma possibilidade nova de vida, quando ela acha que só tem uma possibilidade. E a única possibilidade dela é enriquecer, coisa que a gente sabe que quatro pessoas farão. É desesperador! Toda vez que eu falo que eu sou de esquerda eu me sinto meio o wood e o stock sabe? Eu me sinto uma velha, hippie. Eu não sou velha, nem hippie.

Quarto ponto, quer dizer, eu não sei se é quarto, me perdi nos números. O próximo ponto que a gente tem que analisar, é todo discurso anti-esquerda, anti-PT e, principalmente, o discurso anti-política. Como se o político e o fazer política fosse uma coisa de gente meio vagabundo e ladrão, que só pensa em se dar bem.

Não que não tenha gente meio vagabunda e ladrão que só pensa em roubar e se dar bem, mas a política não se resume a isso. Então, a falta de uma cultura política e a falta de recurso de um diálogo na classe média e mais baixas, enfim, na nossa classe, na nossa “pobrice”, faz com que a gente fale: ai não, se ele não é político ele é bom, ah, esse aí não está metido em política, ele é novo ou ah, ele é rico, ele não precisa roubar, só que já roubou né querido, se ele não roubou ele explorou.

Lembrando uma frase maravilhosa do Augusto Boal: “políticos são todos os atos dos homens”. Considerando todas essas coisas ditas, podemos aferir, portanto, que o pensamento político do pobre brasileiro deveria ser objeto de psicanálise, porque, com a disforia de classe, com a falta de consciência de recurso político que ele tem, e com essa mídia golpista, não aguento mais falar sobre isso, e com essa mídia golpista, o que acaba acontecendo é que ele não vota num igual.

Ele vota na projeção do sonho de consumo neoliberal dele. Eis porque, votamos, elegemos ‘Dórias’, ‘Aécios’, ‘Fernandos Henriques’. Qual seria o plural de Fernando Henrique? ‘Fernando Henriques’, ‘Fernando Enriques’. Então, ele não vota em quem ele é. Ele vota em quem ele quer ser, o fato dele fazer isso significa que o que ele quer ser, ele nunca será.

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