O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir, nesta quarta-feira (26), o julgamento sobre o porte de maconha para consumo individual. Nesta terça, o plenário formou maioria para considerar que não há crime quando uma pessoa carrega consigo uma quantidade da substância.
Os ministros vão decidir uma tese, que deve delimitar a diferença entre usuário e traficante e que não estava definida claramente na lei. A tese será um resumo, que vai guiar a aplicação da determinação em instâncias inferiores da Justiça.
A decisão do tribunal, no entanto, pode não encerrar a discussão sobre o assunto. Isso porque o Congresso Nacional – em reação ao movimento do STF no tema – trabalha para aprovar uma mudança na Constituição para tornar crime o porte de qualquer quantidade de drogas.
Diante dos posicionamentos divergentes, o que deve prevalecer? O g1 explica a partir das seguintes perguntas:
Por que Congresso e Supremo podem tratar do mesmo assunto?
A Constituição elegeu o Supremo Tribunal Federal como seu guardião. Neste papel, cabe ao tribunal analisar questões que envolvam princípios constitucionais e direitos fundamentais.
Em relação ao porte de drogas, o Supremo foi chamado a se posicionar a partir de um recurso que discutia a questão. No pedido, houve o questionamento da validade do artigo da Lei de Drogas que enquadrava a conduta do porte de drogas como crime, diante de direitos como o da intimidade e privacidade, além da saúde. Foi a partir desta questão que os ministros se debruçaram sobre a questão.
Já o Congresso tem o poder de legislar, elaborar normas – e aí se incluem, entre outros tipos, as leis ordinárias e as propostas de emenda à Constituição.
Dentro desta atribuição, os parlamentares fizeram andar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para deixar expresso que é crime a conduta de possuir e portar qualquer tipo de droga. A PEC, no entanto, prevê a possibilidade de distinguir usuários de traficantes.
Na terça-feira, após a sessão do STF, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) considerou a decisão uma “invasão à competência do Legislativo.”
“Eu discordo da decisão do Supremo Tribunal Federal [sobre descriminalização]. Eu considero que uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo e não por uma decisão judicial. Há um caminho próprio para se percorrer nessa discussão, que é o processo legislativo”, declarou o parlamentar.
Ainda na terça, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de comissão especial para analisar o texto aprovado pelo Senado.
Por que os dois Poderes podem decidir de forma diferente?
As decisões do STF não impedem que os parlamentares aprovem uma legislação totalmente contrária ao que foi fixado pela Corte – por lei ou emenda constitucional. Isso ocorre por conta do princípio da separação de Poderes.
Ou seja, mesmo com a conclusão do julgamento no Supremo, a PEC pode continuar em discussão. O texto já foi aprovado no Senado e agora tramita na Câmara.
Neste momento, no entanto, assim que o julgamento no Supremo for concluído, o que deve prevalecer é o entendimento do tribunal sobre a questão, já que a PEC ainda não teve a análise concluída no Congresso Nacional.
A proposta dos parlamentares só terá efeitos jurídicos se for aprovada pelas duas Casas e promulgada, alterando o texto da Constituição.
Mesmo se eventualmente o Congresso mudar a Constituição, o tema pode ser rediscutido?
Sim. Se a PEC virar uma emenda à Constituição, a partir da promulgação, o tema pode voltar a ser questionado no próprio STF.
Não há impedimento para que as autoridades que têm o poder de questionar leis na Corte – partidos, presidente da República, PGR, entre outros – contestem a nova emenda.
Ou seja, na prática, o tribunal pode voltar a analisar o assunto.
Já aconteceu algo assim?
Sim. A situação mais recente envolveu a validade da aplicação do chamado marco temporal para a demarcação de áreas indígenas.
Após o STF entender que o marco temporal não é válido, o Congresso aprovou uma lei para instituir a regra. Com isso, partidos políticos voltaram a acionar o Supremo contra a lei que contrariou seu entendimento.
Em abril, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos na Justiça sobre o tema até uma decisão. A questão ainda não teve um desfecho.