O combate ao racismo não é tema dominante na campanha para as eleições autárquicas que têm lugar no próximo domingo, (26.09), em Portugal. Mas tem-se notado alguma bipolarização em torno da questão.
Se por um lado há os candidatos afrodescendentes que lutam contra a discriminação racial, do outro lado estão os que defendem a alegada postura xenófoba do partido português CHEGA, liderado pelo deputado André Ventura, que concorre pela primeira vez às eleições municipais.
Ossanda Liber, de origem angolana, entra na corrida eleitoral em nome do movimento de cidadãos “Somos Todos Lisboa” e defende uma Lisboa mais inclusiva e igualitária, sem discriminação.
“Lisboa em si não é uma cidade racista, não é um concelho racista. Por sistema, existem pessoas que obviamente vivem mal com o próximo, com o estrangeiro ou com a pessoa que vem de fora. Às vezes, com as pessoas que vêm, efetivamente, de culturas diferentes, às vezes não. Pelo que não creio que qualquer corrente extremista tenha lugar no futuro nesta cidade”, frisa.
A candidata independente, que está entre os 12 concorrentes à Câmara Municipal de Lisboa, é contra o discurso xenófobo que tem vindo a propalar o partido CHEGA, de André Ventura, seu único deputado no Parlamento português.
“Eu acho que este partido muito provavelmente está a aproveitar uma onda de correntes semelhantes que se estão a expandir pelo mundo para, de certa forma, arranjar o seu lugar na política. E como encontra pessoas que o seguem, que acabam por se identificar com isso, então vai crescendo. Mas, sinceramente, eu acho que o pior que se pode fazer a esse tipo de propostas é valorizá-las, é estar sistematicamente a pô-las no centro da discussão política”, defende Ossanda Liber.
Avanços
Liber, mãe de quatro filhos criados em Lisboa, aplaude o papel da justiça e considera que tem havido avanços na sociedade portuguesa no combate ao racismo sistémico. Para a angolana, os portugueses – e os lisboetas em particular – não se identificam com este tipo de discurso racista.
Beatriz Gomes Dias, a primeira afrodescendente a anunciar candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, confirma, em declarações à DW África, que tem sido vítima de comentários racistas, com o objetivo de desencorajar a sua candidatura. Sem citar o nome de André Ventura, a candidata de origem guineense que concorre pelo Bloco de Esquerda sempre repudiou a conduta de partidos como o CHEGA.
“Esses comentários procuram intimidar-me, intimidar as pessoas negras como eu a assumirem lugares de destaque, na nossa vida pública e política. Penso que devemos todos repudiar veemente essa conduta. Não irão conseguir intimidar-me, nem conseguir diminuir o meu empenho, o meu compromisso com a transformação da cidade”, afirma.
Respeito às regras dos argumentos
Em reação à bipolarização dos discursos, o luso-moçambicano Gabriel Mithá Ribeiro, do partido CHEGA, considera importante este “confronto aberto entre os dois campos”, mas respeitando “as regras dos argumentos”.
“É discutir isto com esta abertura. Isto é, as pessoas, sem se insultarem, sem se agredirem, dizerem abertamente porque é que dizem o que dizem. Há muitas formas de nós resolvermos a questão racial. Mas há quem queira resolver e há quem queira arrastar o problema para ter outro tipo de benefícios. Eu, nesta questão, sou absolutamente radical. É um problema, porque é um problema de alienação. É indiscutível, mas o racismo hoje passou à História”, diz.
“Nestas eleições, há municípios onde este tema deveria ser muito discutido”, recomenda o cabeça de lista à Câmara Municipal de Alcochete, cujo partido pauta, entre outras, por políticas de defesa da segurança das populações.
Mithá Ribeiro, formado em História e doutorado em Estudos Africanos na área da Sociologia do Conhecimento e Psicologia Social, diz que “há formas de integração das minorias” a serem desenvolvidas pelo CHEGA, “que passam, por exemplo, por processos de discussão aberta, sem tabus, sobre a moral social”.
“É um pressuposto para nós discutirmos aqueles que são os grandes bloqueios das minorias: por exemplo, a questão do racismo, da xenofobia, da discriminação, do insucesso escolar, por aí fora. E nós temos que procurar a fundo o que é que é o consenso numa sociedade”.
Discrepâncias
Mas Andredina Cardoso, candidata socialista à Assembleia Municipal de Sesimbra, sustenta que são díspares os diferentes olhares sobre a presença dos imigrantes na sociedade portuguesa.
“Quando nós olhamos para a estatística da população migrante, aquilo que nós verificamos é que é aquela que mais desconta, que mais contribui para a natalidade, é aquela que é mais empreendedora e, ainda assim, é aquela que menos usufruiu tanto dos serviços de saúde, como da segurança social, e é a que tem menos acesso a uma habitação digna ou a um emprego de qualidade”, constata, em declarações à DW.
Adverte ainda que “o olhar que é passado por uma direita mais extremada é completamente o oposto, baseado num conjunto de inverdades” sobre a população migrante, alimentadas por um discurso xenófobo e racista.
“Naturalmente, os afrodescendentes não se reveem nesta questão e reivindicam um maior equilíbrio dentro da sociedade, reivindicam melhores condições e isso é absolutamente natural. Aquilo que não é natural é este olhar díspar, que assenta em inverdades e que contamina toda uma sociedade, não promovendo o seu equilíbrio”.
Os discursos polarizados convergem para aquilo que é a própria dinâmica da campanha eleitoral, considera Manuel Matola, jornalista moçambicano e diretor editor do “JornalÉ@gora”, uma publicação online virada para a imigração.
“Porque os problemas dos imigrantes em Portugal acabam convergindo com os problemas dos nacionais. E, nesta senda, sobretudo o partido anti-imigração [CHEGA], que é da extrema direita, vai mais no sentido de encontrar um acolhimento junto dos portugueses que estão a passar pela mesma situação, como que a hierarquizar os problemas e as pessoas que podem ser acudidas relativamente a todas as situações que existem em Portugal”, explica.
A ter que se acudir a situação dos imigrantes terá que ser depois de se acudir a situação dos nacionais, porque estão a encarar a mesma situação de pobreza, do impacto da pandemia da Covid-19, acrescenta o jornalista.
Numa outra leitura, o analista destaca um maior interesse na política e uma considerável participação dos imigrantes ou candidatos afrodescendentes nestas eleições autárquicas, depois daquilo que chama de “efeito Joacine”, a deputada eleita pelo partido LIVRE e que veio a assumir-se como deputada não inscrita.
“São pessoas que saíram de associações pró-imigrantes e tendem a entrar para as estruturas políticas partidárias para conseguirem ter voz junto das assembleias municipais, porque acham que é lá onde vão fazer chegar as suas reivindicações, dado que as associações enfrentam enormes dificuldades, não só financeiras”, conclui.