Portugal tem de se empenhar a combater racismo e violência contra mulheres, avisa comissária europeia

A comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatović, apela às autoridades portuguesas para que se empenhem mais resolutamente no combate ao aumento do racismo no país, assim como na prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica.

Num memorando publicado esta quarta-feira, a comissária manifesta preocupação face ao aumento do número de crimes motivados pelo ódio racial, assim como do discurso do ódio, visando particularmente os ciganos, os afrodescendentes e as pessoas percepcionadas como estrangeiras em Portugal. E recomenda a implementação de um plano de acção abrangente contra o racismo e a discriminação, exortando as autoridades a condenar firme e publicamente todas as manifestações de discurso do ódio ao mesmo tempo que insta vivamente os políticos para que se abstenham de utilizar ou tolerar retórica racista.

Saudando as medidas tomadas para melhorar o quadro jurídico e institucional contra a discriminação, a comissária convida as autoridades portuguesas a prosseguir os seus esforços por forma a assegurarem que a legislação civil, administrativa e penal seja consentânea com as normas internacionais. Dunja Mijatović recomenda ainda que a polícia e o Ministério Público adoptem uma definição mais lata do crime de racismo e investiguem rigorosa e imparcialmente todos os incidentes deste tipo, não deixando estes inquéritos eternizarem-se.

São também necessários esforços complementares para debelar os preconceitos racistas contra as pessoas de ascendência africana, herdados do passado colonial e do tempo da escravatura. “É importante tomar consciência das estruturas historicamente repressivas do colonialismo, dos preconceitos racistas entranhados na sociedade e das suas ramificações até aos nossos dias”, afirma a comissária, sublinhando que os currículos escolares podem contribuir em muito para esta consciencialização.

Elogiando as iniciativas destinadas a combater a discriminação dos ciganos, Dunja Mijatović recomenda, contudo, a intensificação destes esforços, por considerar que o preconceito continua disseminado na sociedade portuguesa e presente no discurso de alguns responsáveis políticos.

Racismo na polícia

O racismo nas forças de segurança continua a suscitar profunda preocupação. “As autoridades portuguesas devem aplicar uma política de tolerância zero para com qualquer manifestação de racismo por parte da polícia”, adverte. Aqui, as recomendações passam pela melhoria da formação dos agentes em matéria de direitos humanos, bem como dos procedimentos de recrutamento e dos critérios de selecção, para que os grupos minoritários estejam mais representados entre os efectivos, a todos os níveis hierárquicos. A comissária recomenda ainda a criação de um mecanismo independente para examinar todas as queixas relacionadas com maus-tratos imputados à polícia.

A mesma responsável europeia congratula-se com o empenho das autoridades portuguesas em eliminar a violência doméstica, bem como com o seu trabalho no sentido de transformar a igualdade de género numa realidade. Não obstante, a violência contra as mulheres continua a ser um fenómeno que regista níveis alarmantes em Portugal.

As autoridades devem, consequentemente, tomar medidas adicionais para fazer evoluir as mentalidades e sensibilizar sociedade para o facto de a violência contra as mulheres, nomeadamente a violência doméstica, constituir uma violação grave dos direitos humanos. A comissária apela às autoridades para que tomem medidas que assegurem que os crimes de violência doméstica e os crimes sexuais, incluindo a violação, sejam devidamente investigados e punidos e que as penas sejam proporcionais à gravidade desses crimes, ou seja, suficientemente dissuasoras.

O incremento da formação deve estender-se aos magistrados e, de uma maneira geral, de todos os que oferecem serviços de apoio às mulheres vítimas de violência. Dunja Mijatović saúda também as medidas tomadas recentemente para que as crianças que testemunham a violência doméstica sejam consideradas vítimas e recebam a protecção de que necessitem.

Por último, a comissária recomenda que as autoridades voltem a alterar a definição de violação que consta do Código Penal, assegurando que ela se baseia por completo na ausência de livre consentimento da vítima.

Na resposta a este memorando o Governo português recorda que está a preparar um plano nacional de combate ao racismo e discriminação que vigorará até 2025, em linha com o recente plano de acção que a União Europeia elaborou. O período de consulta pública deste documento deverá ter início até ao final do mês.

O investimento no combate ao fenómeno passa também pelo conhecimento científico, acrescenta o Executivo: a Fundação para a Ciência e Tecnologia criou uma linha de investigação para apoiar projectos sobre o impacto da pandemia no incitamento ao ódio e à violência tendo sido recebidas 50 candidaturas

Por outro lado, o Orçamento do Estado para 2021 prevê a criação de um observatório independente para o discurso de ódio, racismo e xenofobia. A resposta à Comissão Europeia inclui várias intervenções públicas da secretária de Estado da Igualdade a condenar este fenómeno.

No que respeita à violência doméstica, o Governo aponta várias medidas aprovadas entre 2019 e 2020 e também os esforços que desenvolveu para que forças de segurança, magistrados e profissionais de sectores como a educação trabalhem em parceria. No início de Janeiro foi ainda lançado um concurso para reforçar o apoio psicológico e psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica atendidas ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.

Com uma dotação de 2,78 milhões de euros, o concurso aberto pela secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade surge no âmbito do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego e destina-se a colmatar as necessidades de serviços de apoio especializado, privilegiando abordagens psicoterapêuticas focadas no trauma, com a designação de Respostas de Apoio Psicológico para crianças e jovens vítimas deste fenómeno.

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