Preconceito não é falta de amor próprio

Em toda banca de revista, livrarias e afins tem aquele livro de auto-ajuda expostos na prateleira, berrando para que você pegue, folheie e descubra a incrível fórmula que tirará qualquer pessoa da frustração com sua imagem, ou com a forma como os outros te enxergam. A partir dessa receita o mundo será mais bonito porque descobriremos que nós mesmos somos capazes de nos fazer felizes, basta que “nos aceitemos como somos”. Não! Não é bem assim!

Enviado por Laila Thaíse Batista de Oliveira via Guest Post para o Portal Geledés

Não que eu ache que não podemos ser felizes com nós mesmxs, nos amando e aceitando, mas só isso não basta, irremediavelmente nos relacionamos e convivemos com outrxs, e por isso o olhar do outro pesa tanto sobre as nossas vidas. Não que esse olhar balize nossas escolhas, mas vivemos numa sociedade onde as relações de poder estão colocadas, e ultrapassam as relações econômicas. São relações entre gêneros, raças, etnias, culturas, classes e por aí vai, existem aqueles que ocupam o centro, que são referência e tem os outrxs.

O outro existe desde que começaram as colonizações e invasões, os extermínios, as caçadas, o outro que o nosso olhar estranha e rejeita, que sai das margens, que transborda, que transgride e fere o olhar normativo sobre todas as coisas e pessoas.

A família como parte fiel dessas estruturas de poder na sociedade, cumpre o seu papel diário de nos envenenar com doses diárias de frustração, sempre tentando ‘aconselhar’ o quanto você está gordx, que seu cabelo não está legal, que deveria arrumar um emprego e por aí vai, porque nas relações familiares as relações de poder se exercem, e com força, mas claro, isso não passa na propaganda de margarina. Não quero com isso generalizar todxs as famílias, quero chamar atenção que é preciso parar de romantizar, tem laços afetivos que vão para além das relações biológicas.

E por falar em laços afetivos, que tal falar de empatia? O discurso de aceitação do outro desde que não altere o meu lugar de conforto tem sido o mais difícil, porque vela e alimenta as estruturas que regem a opressão. Muitas vezes o discurso não reflete a prática, e as escolhas ainda são as normativas, dentro do padrão. Tenho amigxs gordxs, pretxs, homossexuais e falo sobre a importância de lutarem pelos seus direitos, desde que não questionem meu privilégio, desde que isso não me incomode ou questione minhas escolhas afetivas.

Certa vez, em conversa com uma querida amiga e militante sobre as dissonâncias entre os movimentos feministas chegamos a essa conversa, sobre a falta de empatia que algumas vezes existiam entre os movimentos de mulheres brancas para com o movimento de mulheres negras. Mas como percebemos que falta empatia? Como percebemos que temos empatia? Ela, mulher lida como branca e feminista me falou que sentir e perceber que está oprimindo o outro é muito rápido, você escolhe por ignorar ou não. Quando isso acontece incomoda, é desconfortável como um soco no estômago e que ela havia sentido isso, foi o sinal para rever e caminhar diferente.

Com isso quero dizer que nós, conhecidos como ‘os outros’ precisamos provocar desconforto seja com presenças que não cabem em caixinhas ou com ideias. O nosso problema não é a ‘falta de amor próprio’, o problema não é só nosso e enquanto continuarmos individualizando problemas que são sociais e camuflando reproduções de afetividades permeadas pela normatividade, a estrutura de opressões na sociedade continuará sendo alimentada.

Quem sou eu:

Laila Thaíse Batista de Oliveira

Mulher negra, feminista e candomblecista, mãe de Enzo, jornalista e mestranda em

Comunicação e Sociedade (UFS). De sexualidade curiosa, e em transformação continua nesse

mundo-cão.

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