Ando pesquisando sobre a negritude e a resistência é a máxima possível, estou à dias lendo artigos, vendo vídeos, trabalhos, teses, dissertações, recolhendo material, mas à medida em que vou lendo vou me confrontando com a Europa que habita em mim. Quarentena, em casa, lugar onde eu sou eu. As discussões com minha mãe aumentaram, confrontos com quem sou para o outro, o mais próximo de mim possível. Como em um espelho a minha mãe me confronta sobre convivência, o quanto que não sei viver com o outro, o quanto que em um mesmo espaço quero ser eu somente. No mesmo momento em que leio sobre filosofia africana, onde relata que o eu só existe a partir do outro, viver em comunhão, no sócio de fato, escuto de cientistas pretas falando sobre a individualidade trazida da Europa para a nossa sociedade.
Em uma tentativa de reconexão comigo, com África me confronto com o inimigo oculto, este não tinha face mas estava bem distante de mim e isso é certo. Ao menos era. Pude ver a totalidade europeia em mim, o quão branca sou, o quão branco são meus pensamentos e meus ideias. Um rasgo no peito. O que me feria, o que procurava distancia, estava tão próximo que não conseguia perceber. Doeu ler sobre filosofia africana e identificar na fala da minha mãe, em suas ações, em sua relação com o outro e com o mundo, tudo o que eu precisei pesquisar para entender. Penso no quanto de sabedoria que existe no que tenho de mais próximo de África: Minha mãe, minha ancestral viva. Lendo, encontro condutas, falas, sentimentos, que segundo ela, não sabe de onde vem, são dela diz. Na mesma medida em que deparo com a forma como me relacionava, me distanciando dessa conexão. O clamor à África, foi preciso ser feito primeiro para mim.
A separação da Europa é dolorosa, pois até ontem era o que eu era. A individualidade era o que almejava, a verticalidade, a sobreposição, o poder dominador, a frieza faziam parte de mim e o que mais me dói é perceber o prazer sentido por deter essas características, que não se distanciam repentinamente, é um processo, de desligamento e de retorno. Não conseguia dar continuidade as leituras, me peguei em momentos onde os olhos apenas passavam sobre a tela. Um bolo se instalava na garganta, não conseguia fazer conexão com o que estava lendo e com o que sou, com o que penso, isso doia. Renunciar a Europa em mim é um processo de dor, talvez pelo reconhecimento, mas em maior medida, é dizer da alegria de um reencontro. Uma sensação de pertencimento, de acolhimento. Vontade de deitar a cabeça no colo da África e receber um cafuné, um olhar de boas-vindas.
A medida em que leio e escrevo, penso em uma outra figura de referência de mulher negra: Minha avó materna, quantas saudades.
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