Em meio a desafios no fomento à educação brasileira, a União Nacional de Estudantes contou com um grande avanço, elegendo, pela primeira vez em 84 anos, uma presidente negra ao órgão. Com apenas 26 anos, a manauara e estudante de direito Bruna Brelaz já foi diretora do DCE da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e presidente da União Estadual dos Estudantes do Amazonas.
Definitivamente, Bruna deve herdar uma gestão sujeita a diversas dificuldades. Beirando 550 mil mortes em decorrência da Covid-19 no Brasil, o movimento estudantil passa por um período conturbado, tendo em vista, além da crise sanitária, articulações políticas contrárias às diretrizes pelo ensino igualitário no país.
Em entrevista ao Em Tempo, Bruna destacou as principais prioridades na liderança da maior entidade do movimento estudantil brasileiro. Segundo ela, a defesa por vagas na universidade pública para minorias continua sendo essencial. A estudante reforçou, além disso, a atual realidade envolvendo o ensino durante a pandemia da Covid-19, tendo em vista as consequências do isolamento social. De acordo com Bruna, a construção de bons projetos de educação ainda depende de mobilizações.
EM TEMPO – Com uma bagagem nortista e amazonense, de que maneira você considera que seu mandato poderá trazer mudanças à liderança desta instituição?
Acredito que podemos dar mais amplitude ao debate da Amazônia, que tem o maior desmatamento do primeiro semestre de 2021 e da década, por exemplo. Os estudantes sempre levantaram a bandeira ‘A Amazônia brasileira é nossa’, por que ela deve pertencer ao Brasil. Portanto, temos que protegê-la em defesa da nossa soberania.
Além disso, o norte do país sofreu esse último período com o apagão no Amapá e a crise da falta de oxigênio no Amazonas, mostrando o descaso com nossa região. Denunciar isso é preponderante.
EM TEMPO – Qual foi sua trajetória até chegar à presidência da UNE?
Conheci o movimento estudantil durante as manifestações contra o reajuste da tarifa nos transportes em 2011. Passei a participar das reuniões de mobilizações, conheci a UBES ( União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e expandi muito meus horizontes, principalmente sobre a educação. Antes, achava que me limitaria a terminar o ensino médio , e depois de entender as lutas do movimento estudantil, percebi que podemos mais: todos devem ter direito à educação superior.
E assim, fui cursar pedagogia na Universidade Estadual do Amazonas), e cheguei a ser diretora do DCE da instituição. Em 2015, fui eleita presidente da UEE-AM ( União Estadual dos Estudantes do Amazonas). Em 2019, fui Diretora de Relações Institucionais da UNE e atuei em Brasília, levando as lutas pela educação no Congresso Nacional e debatendo com lideranças políticas, e depois fui tesoureira da entidade.
EM TEMPO – O que lhe trouxe inspiração para ingressar no movimento estudantil?
Não se conformar com a realidade vigente é uma característica dos jovens. E acho que essa revolta que eu sentia pelas mazelas sociais – que enfrentei pessoalmente e vi tantos dos meus amigos enfrentarem – me fez acreditar que é a partir da educação que se pode transformar, para que nenhum dos meus não tivessem que enfrentar a pobreza e a falta de perspectivas.
EM TEMPO – Sendo a primeira mulher negra a presidir a UNE, que diferenças isso pode trazer à articulação do movimento estudantil?
Em 2022 debateremos 10 anos da política de cotas, política pública que foi fundamental na garantia da popularização da universidade. Colocaremos essa pauta em centralidade no próximo período. Proteger e defender a permanecia das cotas é também nossa bandeira. Ampliaremos ainda mais o megafone do movimento estudantil conta o racismo estrutural. Ainda temos muito o que superar.
EM TEMPO – Como estudante de Direito, você considera que isso poderia lhe trazer ainda mais clareza e possibilidades na busca por efetivação de igualdade de direitos na universidade pública?
Com certeza estudar direito reforça meu olhar sobre as questões do nosso país com maior amplitude, inclusive do debate da educação. Quero me formar e contribuir através do campo jurídico com o Brasil.
EM TEMPO – Em seu discurso, também percebemos uma grande mobilização na luta por equidade racial. Por meio de que políticas e ferramentas seria possível alcançar essa realidade nas universidades do país?
Em 2022 haverá revisão da lei de cotas para avaliação. Para nós, essa política é muito importante na construção de um país que se diminuam desigualdades. Estamos preocupados, por que há iniciativas do campo conservador do parlamento que atacam a política de cotas para entrada na universidade. Portanto, construiremos um cordão de proteção por esse direito garantido em lei. Para nós, cota não é esmola e sim política de inclusão.
EM TEMPO – Sabemos que a pandemia da Covid-19 também trouxe uma crise na educação brasileira. De que maneira essa herança poderia ser contornada para as gerações futuras de estudantes universitários?
A pandemia colocou em maior evidência as desigualdades, e na educação não foi diferente. Precisamos enfrentar o debate da evasão, da falta de condicionantes para que esse estudante possa continuar estudando. Além disso, sofremos com os cortes de quase 2 bilhões de reais no orçamento das federais, diminuição em 1/3 das bolsas do PROUNI e o endividamento dos estudantes oriundos do FIES. Não existe uma perspectiva da universidade como projeto de desenvolvimento de país. Além disso, para todos os problemas citados acima, não houve solução digna.