Primeira reitora negra, de instituição federal, Nilma Lino Gomes, toma posse

Pela primeira vez o Brasil terá uma mulher negra no comando de uma universidade federal. A professora Nilma Lino Gomes tomou posse esta semana como reitora pro tempore da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), localizada em Redenção, a 63 quilômetros de Fortaleza no Ceará. A instituição não poderia ficar em local mais simbólico. Há 130 anos, a cidade foi a primeira localidade a libertar os escravos durante a campanha abolicionista brasileira — cinco anos antes da assinatura da Lei Áurea, que só ocorreu em 1889.

— Tem algo que não é só meu (sobre a nomeação). É da luta coletiva de políticas raciais no Brasil. Tudo isso soma para a minha nomeação, que envolve a minha trajetória profissional, pessoal e o processo de luta por democracia e igualdade racial — contou Nilma. — O fato de a universidade ser localizada em Redenção é um gesto de reconhecimento das lutas do movimento negro que existiam muito antes da abolição.

A nova reitora contou que recebeu o convite do ministro de Educação em março e que seu mandato deve durar quatro anos ou até a completa instalação da universidade, quando serão convocadas eleições. Na UFMG, ela foi professora do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação e coordenadora-geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG. A educadora revelou que já sofreu racismo, mas não quis detalhar as situações. Para ela, o racismo no Brasil se afirma pela negação.

— O Brasil convive com um racismo estrutural na forma como as instituições se organizam. Há mudanças significativas, mas não podemos dizer que as coisas estão resolvidas. Há muito para se construir, o racismo vai se afirmando pela negação dele. Todos os negros vivenciam isso no cotidiano em situações corriqueiras como piadas e brincadeiras — contou ela, que desde 2010 integra a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.

Nilma apontou que aguarda uma resposta pelo episódio do trote no curso de Direito da UFMG, onde uma aluna foi acorrentada com uma placa que dizia “Chica da Silva”.

— Foi de fato uma situação extremamente constrangedora que não cabe a nenhuma universidade e a nenhuma pessoa porque fere a dignidade humana. Estou aguardando ansiosa uma resposta à altura do que a comunidade acadêmica espera.

Mineira de Ponte Nova, na região da Mata, a professora diz que vem de uma família pobre, mas que sempre a incentivou a estudar e sobretudo tinha orgulho de ser negra. Questionada sobre as principais dificuldades e conquistas enfrentadas na carreira até aqui, ela foi direta ao citar as ações afirmativas, como a política de cotas nas universidades públicas:

— A decisão (do STF sobre cotas) comprovou que aquilo que o movimento negro sempre denunciou, desde os anos 1970, era verdadeiro. Além disso, era fato e um apelo político importante para o país e não iria causar nenhum tipo de separação — disse.

UNILAB

A Unilab começou a funcionar em 2011 com cinco cursos e, de acordo com a reitora, possui atualmente dois mil alunos em sete cursos. No momento, a universidade tem dois campi: o da Liberdade, localizado em Redenção, e o de Palmares, em Acarape. Nilma anunciou que outros estão em implementação e, este ano, deve ser inaugurado um campus em São Francisco do Conde, na Bahia. Mais do que uma oportunidade para estudantes brasileiros, a instituição faz parte de um projeto de integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente as nações africanas.

Os alunos brasileiros que quiserem tentar uma vaga devem fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e participar da seleção pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada), do Ministério da Educação. Já os candidatos estrangeiros são submetidos a uma avaliação do histórico escolar do Ensino Médio e prova de redação, realizadas nos próprios países de origem. Os interessados devem se inscrever nas Missões Diplomáticas brasileiras dos países parceiros (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste).

Fonte: O Globo

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