O feitiço de Bel Santos Mayer – por Fernanda Pompeu

Bel Santos Mayer, nascida em 1967, conhece de cor e salteado a conjugação do verbo transformar. Ela transfaz circunstâncias e situações tanto na vida pessoal, quanto na sua área de atuação. Assim, ela se graduou em matemática e hoje só vê letrinhas na sua frente. Bel conta: “Na minha família, antes de mim, ninguém havia feito um curso superior. Matemática parecia coisa de gente inteligente. Como na escola sempre me dei bem com os números e as equações, a decisão foi quase natural.” Depois de formada, prestou concurso e se tornou professora da rede pública de ensino. Mas, na verdade, o que ela queria mesmo era trabalhar com relações sociais.

Antes da faculdade de matemática, Bel fez magistério com o objetivo de alfabetizar. Ela diz ser mágico o momento em que uma pessoa junta uma palavra a outra e desemboca em uma frase. Nessa época, ela morava com seus pais em Sapopemba, periferia leste de São Paulo. “Comecei a alfabetizar moradores das favelas do Madalena e do Jardim Elba. Eles aprenderam comigo e eu aprendi muito mais com eles. Aprendi principalmente o quanto a educação consegue transformar a visão das pessoas. Aliás, de nada serve a informação se não for para impulsionar a vida”, ela reflete.

O brilho de seu trabalho nas favelas e escolas da periferia rendeu uma bolsa de estudos na Itália, onde cursou Metodologias Pedagógicas com especialização em Pedagogia Social. Foi na Itália que Bel conheceu em profundidade o pensamento do brasileiro Paulo Freire (1921-1997). “Tive que sair do Brasil para me aproximar de um pernambucano”, confessa e ri. O que ela mais gosta na filosofia de Freire é o princípio de que a  aprendizagem tem que fazer sentido para educandos e educadores. É uma filosofia que respeita o cotidiano das pessoas e inclui suas circunstâncias. Ela acrescenta: “O Brasil tem uma uma diversidade maravilhosa, de nada adianta planejar um único programa, um único método ou uma única forma de educar. Os educadores precisam ser profissionais criativos.”

De volta ao país, Bel pediu exoneração da rede de ensino. “Foi difícil explicar para a minha família que eu estava trocando um emprego seguro para ser educadora social em ONGs. É claro que eu arrisquei, mas valeu a pena, pois eu cresci na profissão e como pessoa”, ela relembra. A partir daí, a educadora social se envolveu com projetos de equidade racial e de gênero na educação, capacitação em direitos humanos, formação de jovens, entre outros. Também participou de fóruns, congressos, reuniões que discutiam a educação no Brasil. Prestou e presta consultorias para órgãos do governo e prefeituras. Quando o negócio é educação, Bel tem ideias afiadas que fazem girar a roda.

Literatura não é um luxo
bel santosBel Santos Mayer. (Foto: Viridiana Brandão)Faz alguns anos, Bel Santos Mayer começou a trabalhar com a criação de Bibliotecas Comunitárias. Novamente nos bairros da periferia. É longe do centro onde há a maior carência de livros e, portanto, de acesso à leitura. “No começo, a gente encheu as prateleiras com livros de história e ciências sociais. Depois, fomos percebendo que a maior parte dos leitores queria mesmo era sonhar e devanear. Coisa que a literatura oferece muito bem. Por meio dela, as pessoas conhecem outros lugares, situações diferentes e resoluções, muitas vezes, surpreendentes. Usando uma metáfora, a literatura é um porto de onde o barquinho da nossa imaginação zarpa para o mundo”, Bel define.

Hoje, ela é uma das coordenadoras do Polo de Leitura LiteraSampa, formado por organizações sociais e apoiado por algumas empresas. O polo é um grupo organizado trabalhando para a formação de leitores sustentáveis. Isto é, gente que começa a ler, se apaixona pela leitura e vai influenciando colegas, amigos, familiares. O polo também forma mediadores de leitura – pessoas que leem em voz alta para outras. O LiteraSampa vai muito além do objeto livro. Ele abarca toda a cadeia de produção. São promovidos encontros dos jovens leitores com autores, editores, livreiros, bibliotecários. O premiadíssimo Mia Couto, escritor moçambicano, participou de um dos encontros. Bel achou marcante quando Mia disse que qualquer um pode se deliciar com a literatura, pois o ser humano adora histórias.

Bel fala: “É uma beleza perceber o caráter lúdico da leitura na vida dos jovens. É uma cortina que se abre para desvelar as riquezas do mundo. Por isso a gente cuida para que o acervo seja de qualidade. Cuida também para que o espaço da biblioteca seja acolhedor e aberto a outras manifestações culturais. Por exemplo, saraus de prosa e poesia organizados pela e para a comunidade.” O pano de fundo do trabalho de Bel é a transformação da realidade. Já era assim quando ela tentava aproximar a matemática do cotidiano dos alunos. Ou quando ensinava as primeiras letras aos moradores não alfabetizados das favelas. Agora segue com o LiteraSampa.

O próximo desafio de Bel já começou. Trata-se de construir os “Planos Municipais do Livro e da Leitura” por várias cidades do Brasil. Em São Paulo, a ideia é começar perguntando para as pessoas: “Qual o papel da literatura na sua vida?” É ela quem explica: “Vamos procurar essa resposta em encontros promovidos por toda a cidade. Queremos picar a emoção das pessoas com o feitiço da leitura literária.”

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