‘Projeto Querino’ é um podcast que narra a luta negra sem romantismo

Episódios trazem farta pesquisa documental para mostrar como a escravidão enriqueceu a elite e invisibilizou pessoas negras

Se os livros de história narram a Independência do Brasil como um evento envolto de romantismo, no “Projeto Querino” a emancipação adquire contornos mais comedidos.

O podcast do jornalista Tiago Rogero mostra que o Sete de Setembro marca de uma só vez uma ruptura e uma manutenção. Ali, às margens do Ipiranga, dom Pedro rompeu com Portugal, mas manteve a escravidão.

Desmistificar a história é um dos trunfos de “Projeto Querino”, produzido pela Rádio Novelo e lançado neste fim de semana.

A ideia é refletir sobre como a escravidão formou o Brasil, país que recebeu cerca de 5 milhões dos 12 milhões de pessoas trazidas à força da África. Foi o maior contingente das Américas. A data para o lançamento de “Querino”, aliás, não foi escolhida ao acaso. Este ano marca o bicentenário da independência do Brasil, evento que é tema do primeiro episódio do podcast.

Aqui, é possível perceber que pessoas negras estão no centro da narrativa, e não mais às margens da história. Exemplo disso pode ser encontrado já no nome do podcast, batizado em homenagem a Manuel Raimundo Querino, intelectual negro considerado o primeiro historiador da arte baiana.

O modo como o roteiro narra o Sete de Setembro é outra evidência da preocupação em devolver protagonismo a figuras negras. No primeiro episódio, entra em cena a luta negra para garantir a emancipação do Brasil, esforço que costuma ser ignorado na narrativa oficial sobre a data. “Teve independência ou morte. Só que quem morreu foi preto e pobre”, diz Rogero.

A ideia é refletir sobre como a escravidão formou o Brasil, país que recebeu cerca de 5 milhões dos 12 milhões de pessoas trazidas à força da África. Foi o maior contingente das Américas. A data para o lançamento de “Querino”, aliás, não foi escolhida ao acaso. Este ano marca o bicentenário da independência do Brasil, evento que é tema do primeiro episódio do podcast.

Aqui, é possível perceber que pessoas negras estão no centro da narrativa, e não mais às margens da história. Exemplo disso pode ser encontrado já no nome do podcast, batizado em homenagem a Manuel Raimundo Querino, intelectual negro considerado o primeiro historiador da arte baiana.

O modo como o roteiro narra o Sete de Setembro é outra evidência da preocupação em devolver protagonismo a figuras negras. No primeiro episódio, entra em cena a luta negra para garantir a emancipação do Brasil, esforço que costuma ser ignorado na narrativa oficial sobre a data. “Teve independência ou morte. Só que quem morreu foi preto e pobre”, diz Rogero.

O segundo episódio detalha a trajetória deste que já foi considerado o homem mais rico do Brasil e chegou a ter cerca de 3.000 cativos, uma enormidade para a época. Embora a qualidade dos demais episódios salte aos olhos, é neste que o podcast apresenta as soluções narrativas mais surpreendentes.

Logo do começo, o ouvinte é apresentado a Aloysio Clemente Maria, especialista na vida do traficante. Depois daí, o pesquisador some e reaparece só no final do episódio, mas desta vez trazendo novas informações.

Ele conta que era tratado na juventude com a mesma deferência reservada à fidalguia. E então o ouvinte começa a juntar as peças e a perceber com algum espanto que o especialista é descendente do traficante de escravizados.

Esse recurso é interessante por dois motivos. Primeiro, porque mostra consciência narrativa. A produção não só sabe as reações que quer causar no ouvinte, mas escolhe os recursos adequados para isso.

O segundo motivo está ligado a um dos objetivos do podcast, que é cobrar responsabilização. Não se trata de jogar pedras, mas de reconhecer que a escravidão beneficiou (e continua beneficiando) pessoas brancas. A deferência com que Clemente Maria era tratado é um exemplo disso.

Como a intelectual portuguesa Grada Kilomba escreve em “Memórias da Plantação”, o reconhecimento é uma das etapas para enfrentar os males do racismo. Se não reconhecer o problema, pessoas brancas não conseguirão chegar à sua solução. Outro acerto da produção é estabelecer um diálogo entre o passado e o presente.

No quinto episódio, por exemplo, Rogero discute a rotina extenuante de trabalho dos escravizados. Em meio à narração, surgem trechos de um relato feito por Lucileide Mafra, uma ex-empregada doméstica que sofreu assédio sexual e moral dos patrões.

É como se o presente invadisse o passado para alertar que o Brasil não rompeu de todo com sua tradição escravocrata.

Com edição caprichada, roteiro bem amarrado e pesquisa rigorosa, “Projeto Querino” se firma como um podcast fundamental para lembrar um passado que o país por vezes tenta esquecer. Como cantou a Mangueira no Carnaval de 2019, é a história que a história não conta, são versos que o livro apagou.

PROJETO QUERINO

  • Onde Principais plataforma digitais
  • Produção Rádio Novelo
  • Idealizador Tiago Rogero

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