Protagonismo da favela: Rene Silva e o Voz das Comunidades apontam o futuro do jornalismo

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Dá pra perceber que no Voz das Comunidades o lema não é ignorar a violência crescente, sim mostrar que a favela também é espaço de cultura e criatividade.

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O protagonismo é da favela
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A descentralização da comunicação certamente passa pelo avanço da tecnologia. No entanto, abundância tecnológica não é suficiente para que histórias deixadas de lado pela grande mídia sejam contadas.

Por isso, o trabalho realizado pelo jornalista Rene Silva no Voz das Comunidades é tão importante. Atualmente ele está com 24 anos, mas seu nome ficou famoso bem antes disso. Em 2010, aos 17 anos, ele deixou a mídia hegemônica no chinelo ao narrar pelo Twitter a ocupação do Complexo do Alemão pelas Forças Armadas.

Desde então, a plataforma expandiu, atuando em nove comunidades do Rio de Janeiro. A linha editorial é a de promover uma visão humanizada, diferente do estigma das balas perdidas, carros de polícia e tanques do exército propagado por jornais brasileiros diariamente.

Intervenção Federal vai resolver?

Em 2018, a segurança do Rio de Janeiro foi transferida para o colo dos comandantes do exército. A segunda maior cidade do Brasil ficou durante quase todo o ano inteiro sob o guarda-chuva de uma Intervenção Federal. A repressão tomou conta dos becos e vielas das favelas e zonas periféricas da cidade maravilhosa. Fórmula comum e ineficaz usada pelo Estado para resolver problemas sociais.

O fracasso é comprovado em números. Mesmo sem o mês de dezembro, 2018 foi o ano com maior número de mortes causadas por policiais no estado desde o início da série histórica, em 2003. Mais de 1.400 assassinatos, totalizando aumento de 39% em relação ao mesmo período (janeiro a novembro) de 2017.

O jornalista Rene Silva e a equipe do Voz das Comunidades comandada por Melissa enxergam a solução de outra maneira. “Nada se muda de um dia para o outro e não existe uma fórmula mágica e nenhum político que vai solucionar todos os problemas”, dá o tom.

Afinal, quem acredita que problemas históricos gerados por séculos de escravização de homens e mulheres negras e décadas de ditadura militarserão resolvidos na bala ou com repressão?

O Voz das Comunidades segue o caminho do compartilhamento e da solidariedade. Com a comunicação como fio condutor, a plataforma desenvolve ações de Páscoa, Natal e Dia das Crianças, além de oferecer atendimento psicológico, cursos de idiomas e por aí vai.

Identificação, oportunidades e humanidade são a chave. Ah, tecnologia também. No início da matérias apontamos o desenvolvimento tecnológico como coringa da comunicação no século 21. Rene, Melissa e equipe perceberam isso faz tempo.

Em relação a tecnologia, exploramos ao máximo! Produzimos diariamente matérias utilizando a plataforma Ao Vivo do Facebook, Rede de Transmissão do Whatsapp, e etc. O Renato Moura, nosso chefe de redação, está sempre ligado nas atualizações e sempre que possível reunimos nossa galera para palestras e workshops internos. Fazemos questão de dividir nosso conhecimento para implementar da melhor maneira no nosso veículo. Nas últimas ações produzidas pelo Voz, instruímos a equipe de jornalismo durante a cobertura com drones.

O negro influente no Brasil conservador

Rene Silva foi eleito em 218 um dos 100 negros com menos de 40 anos mais influentes do mundo. A premiação foi concedida pela organização Mipad (Most Influential People of African Descent, ou Afro descendentes mais influentes, em português), de Nova York.

Mesmo com o trabalho de informar e manter os laços com sua comunidade do Alemão reconhecidos no exterior, o comunicador não escapa da teia cruel do racismo brasileiro. Rene Silva dividiu com usuários do Twitter dois casos de discriminação envolvendo o transporte por aplicativo.

+ uma vez, mais um caso, de motorista de @Uber_Brasil que me deixa na mão, só que esse foi mais cara de pau. Eu cheguei a bater na janela pra ele abrir a porta e ele fez o que? Meteu o pé!!! Eu quero saber como recíproca a conversa, pq ele perguntou se era pro Complexo do Alemão pic.twitter.com/DrWTZuQIBD

— Rene Silva (@eurenesilva) January 8, 2019

Na primeira vez, ele não conseguiu sair do Alemão. Assim que os motoristas viam a localização, cancelavam a corrida. Em outra oportunidade, na Barra da Tijuca – zona nobre do Rio de Janeiro, ele teve a corrida cancelada assim que o motorista viu seu rosto. Rene é homem e negro.

Para piorar, a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) a reboque de uma forte onda conservadora é vista com apreensão pelo jornalista. Melissa conta um pouco da sensação ao subir o morro.

No dia 29 de outubro foi a primeira vez em 7 anos no Voz das Comunidades que subi o Complexo do Alemão com medo. Fui atrás de uma pauta em que precisávamos levar o tripé. Renato Moura me acompanhou como fotógrafo e conforme a gente ia passando por militares ao longo do morro, ouvimos piadas e risadinhas, pois estavam com a sensação de vitória do dia anterior. Nossa responsabilidade aumenta, assim como de todos os outros veículos de comunicação comunitária espalhados pela cidade.

É necessário terminar a reportagem com resiliência e espíritos elevados. Como tantos outros exemplos listados na reportagem, o Voz das Comunidades dá aos moradores de favelas, periferias, jovens e adultos negros, otimismo e esperança para encarar o futuro.

“Acredito que os veículos tradicionais estão se adaptando aos novos tempos e as Mídias Comunitárias, regionais em geral, estão tomando conta cada vez mais do espaço na comunicação. Já deveriam começar mudando desde as primeiras palavras do texto, quando se referem a um morador de favela negro como traficante e ao filho de um político branco como jovem no título de uma matéria”.

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