Artista quer desistir do curso de Jornalismo para usar seu trabalho em defesa das minorias
Por Isadora Otoni
Os mais de 25 mil seguidores da página Tailor e do seu conteúdo não têm a menor ideia de quem está por trás dela. Trata-se de uma pessoa que tem apenas 20 anos, do Rio das Ostras (RJ), e que não esperava tanta repercussão em relação a seu trabalho. Afinal, ainda nem terminou o curso de Jornalismo, o qual pensa em abandonar para se dedicar à arte feita para as minorias.
Por Skype, Tailor Vinhoza conta que os quadrinhos que mais geram polêmica tratam dos preconceitos contra o funk. Entretanto, sempre que defende a parcela oprimida da sociedade suas publicações ficam repletas de comentários negativos. “As pessoas têm problemas em rever privilégios”, analisa.
Alguns de seus trabalhos são feitos em solidariedade, mas grande parte da discriminação abordada por Tailor é sofrida na pele. Isso porque é transsexual não-binária, ou seja, não se identifica com o gênero masculino e nem com o feminino. Mas também porque é interpretada como uma mulher que se relaciona com mulheres. Confira a entrevista abaixo:
Fórum – Desde quando você começou a fazer os quadrinhos?
Tailor – Eu comecei a fazer no final do ano passado, em dezembro.
Fórum – Qual sua formação?
Tailor – Estou fazendo jornalismo, mas vou largar agora. Estou pensando em fazer vestibular para Artes Plásticas.
Fórum – Seus quadrinhos sempre abordam temas políticos. Quais são suas bandeiras?
Tailor – Além do transfeminismo, que considero a bandeira mais forte, acho que são dos oprimidos em geral. Falo de homofobia, lesbofobia, transfobia, elitismo… Já defendi bastante o funk. E é impressionante como de todos os temas que falo e que deveriam ter muita atenção, defender o funk – em relação a esses caras do rock que acham que tudo é lixo – é uma das coisas mais polêmicas.
Fórum – Qual sua relação com o transfeminismo?
Tailor – Eu me considero trans não-binária. Acho que as pessoas patologizam hoje em dia, então é importante dar voz e forma a essas pessoas.
Fórum – E pra falar de trans precisa ser trans?
Tailor – Acho que não, né? Acho que as pessoas têm que apoiar a causa. Têm é que se interessar e aprender.
Fórum – Qual é a sua intenção com os quadrinhos?
Tailor – Primeiramente, comecei a fazer arte para colocar mais as coisas para fora, coisas que eu ficava guardando. Mas acabou que ganhou bastante visibilidade, então faço para as pessoas questionarem certas coisas, não necessariamente concordarem comigo. Já vi gente falando que “opinião não se muda”. Isso é um absurdo, é claro que opinião se muda. O que eu quero é que as pessoas questionem as coisas que elas têm como verdade absoluta. E, sei lá, mudar ou não mudar, ver que existem outros lados.
Fórum – Por que você acha que os temas que você aborda causam tanta polêmica?
Tailor – Acho que as pessoas têm problemas em rever privilégios. É sempre: “Ah, mas e eu? Mas e os homens? Mas e os héteros?”. Elas não conseguem ver que tem gente que sofre coisas que elas não sofrem.
Fórum – Para que isso mude, você acha que as pessoas que controlam meios de comunicação, desde páginas no Facebook e até veículos tradicionais, deveriam se atentar mais às minorias?
Tailor – Acho que sim. É o que estou fazendo. Encontrei mais possibilidade de fazer isso na arte do que no jornalismo. Por isso que larguei o jornalismo, porque teria que escrever coisas com as quais não concordo para ter que ganhar meu dinheiro. Já na arte tenho mais liberdade de fazer minhas coisas, pra ficar do lado de quem eu acho que tenho que ficar.
Fórum – Você acha que a arte tem que ser engajada?
Tailor – Acho que sim. Acho que as pessoas… Espera aí. Se eu acho que tem que ser engajada?
Fórum – É.
Tailor – Acho importante ter algum valor, alguma coisa a se passar com a arte. Não sei se deve ser só alguma coisa bonitinha.
Fórum – O que você acha do movimento LGBT como está hoje?
Tailor – Acho que ele está mais focado em homens gays e cis do que qualquer outra coisa. Só vejo falando dos direitos dos gays, de homofobia, e nunca enxergam o outro lado. Tem muito gay que é transfóbico, que é lesbofóbico, misógino, e são eles que têm a voz no movimento. Eu nem vejo como o T está ali [na sigla LGBT]. Porque bi, lésbica e gay estão ali, mas são todos em relação à sexualidade. Já o T seria em relação a gênero. Então não vejo como o trans teria tanta visibilidade dentro desse movimento.
Fórum – E sua relação com o movimento negro?
Tailor – Sou branca, eu sei. Mas costumo querer dar voz às minhas amigas, a pessoas que não têm a mesma visibilidade que eu tenho. Quero apoiar os movimentos com os quaisconcordo. Por exemplo, a Stephanie, que sofre racismo na PUC. Esses dias estava vendo que o pessoal da faculdade está todo contra ela. Eles estão com problemas em serem vistos como elitizados e brancos ao invés de se indignar com o que ela sofreu. Apesar da Stephanie ter tido voz, quero apoiá-la.
Fórum – Você também aborda problemas da periferia. Você mora na periferia?
Tailor – Não moro na periferia, mas minha família é toda de lá. Na verdade, sou classe média.
Fórum – Você toca nessa questão em um quadrinho que eu li: como você acha que a desmilitarização da Polícia Militar melhoraria a vida na periferia?
Tailor – Primeiramente, tem um caso pessoal. Eu tinha um tio que era PM e ele não se envolvia com o tráfico ou com os corruptos, e aqui no Rio de Janeiro é a polícia que controla o tráfico. Ele não se envolvia com essas coisas e levou tiro de PM, morreu por isso. A PM é completamente corrupta – e não tem jeito de não ser -, e vai continuar matando pobre inocente e depois falam que é bandido, principalmente se for negro. Só vejo algo mudando com a desmilitarização. Não que as outras polícias sejam perfeitas, mas a PM tem mais poder. Não tem nada a ver militarizar a polícia, isso só é coisa de país com resquício de ditadura.
Fórum – Como você lida com as opressões no cotidiano? Você sofre muito preconceito?
Tailor – Sofro por ser mulher, por ser trans. Na verdade tenho me identificado mais como homem, mas não me leem assim, me leem como mulher e que se relaciona com mulheres, então sofro preconceito por isso também. É algo que já me afetou bastante, mas hoje em dia essas coisas não me afetam e enfrento quem mexe comigo, quem me discrimina. Eu encontrei minha voz com minha arte.
Fórum – Você é apoiada por sua família?
Tailor – Eles apoiam bastante minha arte, mas têm problemas de eu estar largando o jornalismo, que é uma coisa mais certa. Eles têm uma visão de que arte não dá dinheiro.
Fórum – Mas você está conseguindo se sustentar com esse projeto?
Tailor – Nunca trabalhei, então meus primeiros dinheiros ganho com isso. Agora, tenho mais liberdade, consigo ser mais independente, estou publicando minhas zines, consegui fazer viagens com esse dinheiro.
Fórum – Suas tirinhas são bem aceitas?
Tailor – Acho que sim. Comecei a fazer por causa da Zine XXX, foi isso que me motivou. Logo que eu vi, já estava no final, a Beatriz Lopes me convidou para participar. Eu mandei um desenho na véspera para imprimir. Então, acho que no meio das mulheres, meus quadrinhos são bem aceitos.
Fonte:Revista Fórum