Com Nelson Mandela na presidência, país avançou na luta contra o racismo.
Cicatrizes do regime de segregação aparecem nos índices de violência.
Até quase 20 anos atrás, a África do Sul vivia sob o apartheid, que durou quatro décadas e deixou marcas profundas no país. Em 1994, Nelson Mandela, o grande protagonista da luta pelo fim do regime de segregação racial, foi eleito presidente. O país conseguiu derrubar as barreiras legais que separavam brancos e negros, mas não a barreira social.
Para o diretor da Royal African Society, havia a expectativa da população e a habilidade do governo em cumpri-las. “O governo não está conseguindo cumprir. Isso cria uma grande lacuna, que é muito perigosa. A próxima geração talvez fique muito mais brava que seus pais, menos contida. Você vai poder ver uma grande instabilidade social por causa dos problemas e da pobreza”, afirma Richard Dowden.
Para analistas, a África do Sul avançou na luta contra o racismo oficial e melhorou as condições de vida de uma pequena parcela da população, mas falhou em prover avanços de quem esperava se beneficiar mais da revolução representada por Mandela. O desemprego afeta 4,5 milhões de pessoas, um quarto da força de trabalho, e o país lidera a lista das nações com grande desigualdade de renda.
Os pobres, negros em sua maioria esmagadora, continuam pobres, muitos vivendo em favelas nas vizinhanças das grandes cidades. “É mais um caso de pessoas que tiveram a determinação e a solidariedade para acabar com o péssimo regime, mas não foram capazes de prestar serviços ao povo. Eles não conseguiram diminuir a distância entre ricos e pobres”, destaca Dowden.
A elite branca e rica do passado ganhou alguns sócios negros, que conseguiram se beneficiar do novo sistema, inclusive do mecanismo de corrupção. O poder na África do Sul pós-Mandela se concentra no partido que chegou ao governo com ele e não deixou mais o comando. Ele tem maioria no legislativo e elegeu dois presidentes: Thabo Mbeki e o atual, Jacob Zuma. No exercício do poder, o ANC (na sigla em inglês) praticou vícios políticos como o clientelismo, o favoritismo, o patrimonalismo, o nepotismo e a corrupção nas altas esferas.
Transição dolorosa, mas pacífica
Em 19 anos, a passagem do apartheid para a democracia foi dolorosa, mas pacífica. Homem que teria todas as razões para ser raivoso e vingativo, Mandela fez questão de trabalhar pelo diálogo e o consenso. Ele é visto como o grande arquiteto da nova nação sul-africana, um feito que não é simples. O país tem 11 línguas oficiais e três capitais: Pretória, sede do executivo; Bloemfontain, do judiciário; e Cidade do Cabo, capital legislativa.
As cicatrizes do antigo regime aparecem nos índices de violência urbana e nas dificuldades de acesso da maioria negra às riquezas do país. Mas, nas universidades sul-africanas, as feridas vão ficando aos poucos para trás. O que antes era exclusividade dos brancos se abre para todas as muitas raças e culturas que formam a África do Sul.
“A reconciliação de diferenças é possível. Acreditar em si mesmo, entender a importância da dignidade humana e, sem dúvida, a força do espírito humano. O real legado tem que ser a habilidade de não apenas conseguir uma transição pacífica, mas também reconciliar interesses e grupos que competem entre si, isso para além da divisão entre brancos e negros”, afirma o economista Michael Kahn, uma das referências no estudo de países emergentes.
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Fonte: G1