Quem autoriza a cultura do estupro?

Foram 33 homens estuprando uma menina de 16 anos. O ato filmado, como tudo hoje em dia na nossa sociedade do espetáculo, foi exposto nas redes sociais para escárnio maior da vítima. O crime noticiado calou fundo especialmente nas mulheres que, ao imaginarem a cena abominável, compartilharam da dor, da humilhação, como se o sangramento da genitália da menina violada e exibida pelos criminosos provocasse uma hemorragia subjetiva em toda uma coletividade de mulheres atingidas.

Por Olívia Santana Enviado para o Portal Geledés

O caso repercutiu mundialmente, provocando perplexidade e indignação. Mas também houve aqueles que se apressaram em justificar o injustificável, buscando na vítima a motivação: “Ela deu lugar, por se relacionar com alguém não confiável”, “se ela estivesse numa igreja ou em casa com o filho de 3 anos, isso não teria acontecido”, e o cantor Lobão, com o seu minicérebro, saiu com essa “o Brasil é o país que produz miniputas”.

O pior é que muitos dos que deveriam assegurar a punição dos estupradores seguem essa mesma linha machista de argumentação, legitimando assim a cultura do estupro. O delegado responsável pelo caso perguntou à adolescente: “Você está acostumada a fazer sexo grupal?, o que motivou a advogada a pedir o imediato afastamento dele.

A cultura do estupro deriva da famigerada ideologia patriarcal, de supremacia do homem sobre a mulher. É daí que brota o ato sexual autoritário, desprovido de afeto, expressão da violência por força viril, de homens que se lançam sobre mulheres, não como animais, pois os animais não agem assim, mas como desbravadores que rasgam um campo que não lhes pertence, sem autorização, sem anuência, apenas pelo supremo desejo de dominar, subjugar. Estupro é uma hedionda forma de matar, mesmo quando a vítima não vai a óbito, já que fica a sombra fria e mórbida que marca a mulher para sempre.

Muitos pregam o endurecimento da pena para estupradores, defendem castração química e há os que, descrentes da justiça, realizam com as próprias mãos os linchamentos de acusados de violência sexual. Tudo na linha da vingança que, uma vez saciada, nos aproxima ou nos iguala aos algozes sexuais que estamos castigando. Mas não há caminho melhor que a educação para as relações de gênero para provocar efetiva mudança de mentalidade na nossa sociedade. Infelizmente, grupos arraigados a uma visão obscurantista da Educação e da Cultura impedem que o tema seja incorporado às leis que regem o sistema educacional brasileiro.

E, enquanto a ignorância continuar sendo elevada a método de dominação cultural, como diz a filósofa Márcia Tiburi, não faremos nenhum avanço civilizatório no enfrentamento das diversas formas de violência contra a mulher.

Educação para as relações de gênero significa formar na coletividade o cultivo do respeito, da compreensão de que não deve haver opressões entre homens e mulheres ou diferenças marcadas pelo machismo no ensino das meninas e dos meninos, pois todos devem usufruir plenamente do direito à liberdade, a sua integridade física e psicológica e à vida.

Não é a saia, não é a miniblusa, não é nem mesmo a nudez de uma mulher que desperta no homem o perverso instinto do estuprador. Estupro é um crime, cujo único culpado é o agressor. Portanto, vale valorizar a mensagem que a adolescente vitimada postou em sua rede social: “Parem de me culpar quem errou e procurou não fui eu!! A culpa nunca é da vítima. Ninguém culpa quem foi assaltado porque está na rua com o celular”. Responsabilizar a vítima é fácil. Quero ver ousar construir uma nova forma de pensar e agir para que ninguém sofra violência pelo fato de ser mulher.

Olívia Santana – Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres

+ sobre o tema

para lembrar

Enfim, só! Os que preferem viver sozinhos agora são legião

Nos países mais desenvolvidos, diminuem os casamentos e aumenta...

Mulheres africanas surpreendem mercado mundial

Muitas vezes, a África é vista apenas como um...

Sobre o filme Corra! e a constante descolonização do nosso pensamento

Corra! para muitos não passará de um suspense, mas...

Pesquisa revela que 70% dos gays de SP já sofreram algum tipo de agressão

62% dos entrevistados foram vítimas de agressões verbais, enquanto...
spot_imgspot_img

Discurso da ministra Cida Gonçalves no debate geral da 69ª CSW

Como ministra das Mulheres do Brasil, falo representando o governo democrático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Retomamos e ampliamos políticas essenciais, como...

Lei do Feminicídio completa 10 anos com impunidade como desafio

A Lei do Feminicídio completou dez anos de vigência neste domingo (09). Sancionada em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff, a norma inseriu no...

Omissão do Estado e privilégio do homem condenam mulher a viver para cuidar

O trabalho de cuidado é a base invisível que sustenta a sociedade. Parir, criar e alimentar bebês e crianças, cuidar de idosos e pessoas...
-+=