Quem mandou matar Marielle e Anderson?

Possível decisão favorável da Justiça pode servir como divisor de águas na luta por justiça de famílias de ativistas assassinados no Brasil

Amanhã (18) o Superior Tribunal de Justiça pode proferir uma decisão histórica sobre acesso às informações sobre os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson. Essa decisão é particularmente importante num país como o Brasil, onde se atrever a lutar por direitos, igualdade e justiça é extremamente perigoso.

Segundo relatório da organização internacional Front Line Defenders de 2022, o Brasil está entre os cinco países —Colômbia, Ucrânia, México, Brasil e Honduras— que concentram 80% dos assassinatos de defensores de direitos humanos do mundo.

A violência enraizada por aqui há gerações, desde os tempos da colônia, se baseia em ideais de desigualdades raciais, sexuais e de gênero, territoriais e econômicas. Ainda sobre esse contexto, a violência política de gênero e raça é uma prática comum contra pessoas que defendem uma agenda de direitos —especialmente mulheres negras e indígenas— ao tentarem ocupar, ou serem eleitas para espaços de poder institucional.

Dentre as variadas formas de expressão desse tipo de violência, o feminicídio político é usado como ferramenta para imposição de medo e silenciamento das dissidências de pensar e existir.

É nesse contexto que nasce o Instituto Marielle Franco, depois que, em 14 de março de 2018, Marielle foi assassinada, pouco mais de dois anos após ser eleita como a quinta vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro.

O atentado que nos tirou a Mari —alguém que por tanto tempo atuou como ferrenha defensora de direitos humanos— é também um atentado à democracia e, mesmo depois de meia década, ainda não foi solucionado.

Após a sua morte, as famílias de Marielle e Anderson têm sido o mais importante elo de continuidade nos esforços por Justiça, a despeito das sucessivas mudanças no comando das investigações e notícias de interferência e obstrução ao longo dos últimos cinco anos.

É importante reconhecer o papel que historicamente familiares de vítimas de violência ocupam, sendo peças fundamentais para que casos não sejam esquecidos e que o sistema de justiça cumpra o seu papel de forma diligente, rápida, imparcial e eficaz.

No Brasil, os movimentos de mães e familiares de vítimas de violência e defensores de direitos humanos assassinados vem nos ensinando muito sobre a relevância de sua organização política por memória, justiça e reparação.

Mesmo assim, seguem enfrentando vários desafios para a garantia de seu acesso à justiça e —particularmente— do direito de acessar informações sobre tais casos, o que torna os familiares vítimas mais uma vez da negligência do Estado.

Nesse sentido, como parte do quebra-cabeças envolvendo o caso de Marielle e Anderson, o resultado do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do pedido de acesso a informações sobre as investigações dos mandantes desse crime pode ser paradigmático.

Caso favorável, essa decisão poderá impactar positivamente outros casos e facilitar o acesso à Justiça por outras mães e familiares de vítimas de violência e de defensores assassinados. A garantia aos membros das famílias do acesso ao processo de investigação é uma obrigação do Estado —prevista, inclusive, pelo direito brasileiro e em tratados e convenções internacionais de direitos humanos— que permite a plena promoção do acesso à justiça, à verdade e à reparação.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S.Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Lígia Batista foi “História pra ninar gente grande”, samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 2019.

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