Por Marcos Romão, em coletivo com Filó Filho, Delanir Cerqueira, Luana Galdino, LuanaVieira, Luz Luciana, José Andrade e Ortrun Gutke.
No Mamapress
O espetáculo Exhibit B pretende apresentar-se na MIT (Mostra Internacional de Teatro – SP) 2016 e no “Tempo Festival” no MAR – Museu de Arte Rio. A instalação que reproduz um zoológico humano, com negros mudos reduzidos a atração de zoo já foi cancelado em Paris, Londres e outras cidades da Europa após intervenções e manifestações da militância negra.
No último dia 13 de outubro no Museu de Arte do Rio – MAR, na Praça Mauá, centro do Rio de Janeiro, aconteceu um encontro aberto ao público com a participação da antropóloga Ana Paula da Silva, a escritora Marcia Zanellato, a cineasta Yasmin Thayná e o convidado sul-africano Brett Bailey, dramaturgo, artista, diretor e curador da companhia “Third World Bunfight”, que propõe a instalação performática Exhibit B, que vem gerando uma série de manifestações contrárias, deflagradas por acusações de ser uma peça racista e neocolonial por onde passa.
O evento foi organizado pelo MAR que abriu espaço para um debate da curadoria do “TEMPO FESTIVAL”, que convidou Brett Bailey a vir com sua peça ao Brasil, com o público presente sobre se é oportuno a exibição dessa peça no Rio de Janeiro.
A princípio, o que seria igual a todos os debates em que autores e produtores expõem suas intenções e ideias de suas obras, e todos voltam para casa contentes, mudou de figura à partir do Momento em que ao invés de falar, o autor Brett Bailey, quis mostrar um vídeo de propaganda da peça Exhibit B.
A plateia com uma presença maciça da comunidade negra do Rio, Rio Grande do Sul e São Paulo, recebeu o microfone de uma palestrante jovem e negra, e passou a exigir um debate com a direção do MAR e os responsáveis pelos financiamentos para a cultura na cidade.
Representantes de coletivos negros manifestaram-se contra a exibição da peça no Brasil, com base na defesa do princípio que a dignidade humana é intocável e deve ser protegida e preservada.
Colocaram que 127 anos depois da escravidão, o povo negro ainda vivencia e resiste às sequelas do crime de escravidão. Que as crueldades do período da escravidão podem ser vistas no Brasil tanto a olho nu, quanto através das estatísticas.
A vinda zoo humano de Exihbit B ao Brasil reforçará a ideia covarde de que a história do negro começou na escravidão.
A cobertura do encontro obteve imagens e edição de Filó Filho para Cultne Mídia, suporte da Rede Mamaterra com Marcos Romão, Delanir Cerqueira e Ortrun Gutke; SOS Racismo Brasil; Coletivo FRENER com Luana Galdino e Luana Vieira; e CFN – Coletivo de Fotógrafos Negros com Jose de Andrade e Jorge Ferreira.
A grande pergunta feita nesta noite ao mundo intelectual e artístico do Rio de janeiro e do Brasil, foi:
Por que um artista branco sul-africano que viveu até os seus 27 anos, no lado confortável do Apartheid, e só foi ter contato com negros em uma experiência espiritual de três meses com o povo Xosa, se permite fazer uma peça como se fosse um “entendedor” de negros, que expõe a carne e alma muda dos negros de todo o mundo?
Ele evita falar de sua família e da história dos brancos de seu país, que ele com certeza sabe melhor que qualquer negro sul-africano. Por que Brett Bailey procurou e se sentiu tão à vontade e em casa, em seus contatos com intelectuais e artistas brancos brasileiros, em suas agruras e dúvidas de identidade de homem branco?
Umas das respostas primeiras, é que tanto na África do Sul do Apartheid, quanto no Brasil de 2015, os intelectuais, artistas e pensadores brancos brasileiros, crescem e se educam em redomas de vidro só para brancos e um punhados de negros de estimação.
Quando chegam nas universidades, estes garotos “redomados” e que viveram enjaulados, tomam um choque de realidade ao verem que tem negros do outro lado do muro.
Os brancos mais conscientes passam a ser solidários com os negros, tentam fazer uma imersão no mundo negro paralelo que nunca tinham reparado.
Não prestam atenção entretanto, no fato de que foram educados para serem superiores. Como um carro Mercedes, eles têm embutido em sua marcha de vida, que em qualquer rua que entrem, terão sempre a preferencial para passar por cima do que estiver na frente.
Assim os mais extremos em seu afã de solidariedade tardia e cheios de sentimento de culpa não reconhecida, tornam-se teoricamente mais pretos que os negros, e passam a falar para os outros brancos em nome do negros.
Se algum negro abrir a boca eles dirão que se calem, pois sempre sabem os melhores caminhos para a libertação dos negros.
Um exemplo clássico no Brasil, deste tipo de aproach da realidade, foi o indianismo na literatura e nas artes. Os povos indígenas estavam sendo dizimados, mas viravam heróis de pureza ideal. Até libreto de ópera os povos indígenas viraram, enquanto sumiam do mapa da terra.
Nas artes em geral e na música como exemplo mais acessível para todos perceberem como a dominação funciona, o branco brasileiro precisa do negro e do índio, para inspirados em suas espiritualidades, vencerem em suas carreiras.
Foi assim que aconteceu na Bossa Nova, no Tropicalismo e mais recentemente na Onda Axé.
Brancos incorporados de negros ganham dinheiro e os negros ficam na vala da estrada da história. Morrem bêbados. É claro que tem exceções, mas conta pouco.
Edição de texto: Rosane Romão