Querem-nos fortes?

Um ‘’amigo’’ insiste em me chamar de ‘’cara’’. Isso me fez repensar alguns papéis que a sociedade insiste que eu protagonize como mulher negra.

Temos de ser fortes. Ponto. Fortes para o preconceito, o desamor, o preterimento. Forte para a ridic1ão da nossa cor. Usar nosso cabelo natural é sinônimo de força, de resistência. Um turbante vira um manto em uma batalha por respeito. Fortes para lutarmos por um espaço que, por natureza e ancestralidade é nosso, nas rodas de candomblé, capoeira e hip hop.

Em consequência dessa “fortaleza” imposta, nunca seremos princesas, muito menos rainhas…nunca ganharemos flores, chamegos ou presentes…e se esperarmos por um príncipe que nos salve com seu cavalo branco ou, por alguém que simplesmente se ofereça pra trocar o pneu do carro, seremos acusadas de vitimistas. Falar em desamor e preterimento da mulher negra nas relações afetivas? Estamos loucas, separando o movimento ( oi???) e acusando o “pobre do homem negro” que não tem culpa…é tudo questão de gosto e amor não tem cor….

Se depender dessa sociedade, nunca seremos esposas, somente as amantes. Nunca seremos livres para usar o cabelo que quisermos só o ‘’certo’’, o ‘’adequado’’. A dívida social que esse país tem conosco, descendentes de um continente escravizado, nunca será paga (e essa dívida só aumentará com a chacina feita pelo estado ao exterminar nossos filhos).

Querem- nos fortes? Pois terão: fortes para gritar nossa solidão, para educar e empoderar nosso filhos, para pautar nossas escolhas não em seus conceitos de ‘’certo’’, ‘’adequado’’ e ‘’bonito’’ eurocêntricos, mas nos nossos gostos( sejam eles lisos, crespos, ‘’blacks’’ ou trançados….pesando 55 kg ou 130kg).

As ‘’loucas que separam o movimento’’ serão as que vão reinventar e materializar as soluções que há anos vocês discutem em suas rodinhas de pseudo-intelectualizados e afros centrados… serão as que construirão um futuro melhor e mais amoroso para as tuas filhas…as filhas que não pudemos ter( por termos sidos preteridas) ou que criamos sozinhas(quando ficou “demais pra vocês”).

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 Irmãs, sejamos fortes, por nós e pelos nossos descendentes. Engolir o choro pode ser difícil agora, mas essa dor transmutada dará frutos em um futuro breve.

Só não seja como eles querem. Por ‘’eles’’ digo qualquer agente externo manipulador machista e/ou racista por trás de um personagem de humor de gosto duvidoso, propagandas, relacionamentos abusivos, preterimentos e silenciamentos diversos.

Sejamos fortes para nos permitirmos nos amar, nos aceitar, dizer não…sejamos fortes para gritar, para chorar, e até para desistir. Sejamos o que quisermos, mas por que queremos.

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Vivo numa sociedade que me cegou por muito tempo, que me preteriu e me fez rever escolhas, desejos e sonhos. Me desconstruí, e com isso me tornei livre. É por essa liberdade minha e de todas minhas irmãs pretas, em meu nome , e em nome de nossas ancestrais que decidi ser forte. Por nós e por nós: o único e real motivo que vale a pena vestir essa luta. Sejamos livres!!!Sejamos fortes!!!

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** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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