Análises das pesquisas de intenção de votos nos candidatos à Presidência da República que vêm sendo veiculadas pela imprensa tentam criar nova percepção na sociedade: a de que o que estaria em jogo nessas eleições seria uma disputa entre ricos e pobres, brancos e negros ou letrados e iletrados. A retórica dos dois candidatos, em alguns momentos, parece justificar as especulações. Segundo críticos, o tamanho da intenção de voto no presidente Lula entre os mais pobres reflete, antes de tudo, o tamanho da miséria social e cultural em que vivemos. Tratar-se-ia de assegurar os benefícios de programas como o Bolsa Família ou Luz para Todos, como aponta a pesquisa Datafolha, segundo a qual, por exemplo, “em Manaquiri (AM), onde o petista teve 93,37% dos votos válidos no 1º turno, 75% dos eleitores recebem Bolsa Família. (…)Moradores, que também contam com energia graças ao Governo Federal, temem perder benefícios caso o presidente não se reeleja.”
Por Sueli Carneiro, do Jornal Correio Braziliense – Coluna Opinião
Se é fácil explicar a intenção de voto desse eleitor em Lula, não é tão simples assim compreender a totalidade da intenção de votos de que ele dispõe. Diz o Datafolha que, entre os negros, as pesquisas identificam uma intenção de votos em Lula acima de 54%.No entanto, são 42% dos brancos e 44% de amarelos que também declaram intenção de voto em Lula. Esses percentuais desaparecem das avaliações que preferem o parâmetro analítico da polarização de raça e classe. Porém, se os consideramos, surgem outras possibilidades de compreensão das intenções de voto de brancos, negros, pobres e ricos.
O que esses eleitores mais claros podem estar dizendo? Talvez o mesmo que um ariano, o Suassuna, que considera que a eleição de Geraldo Alckmin seria retrocesso, porque ele estaria cercado “por todo esse grupo que entregou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), entregou a Companhia Vale do Rio Doce e não entregou a Petrobras, o Banco do Brasil e a base de foguetes de Alcântara (MA) porque o Lula não deixou”. Ou, talvez, esses eleitores também rejeitem, como Ariano Suassuna, a visão negativa dos programas sociais em curso com as mesmas ponderações. Diz Suassuna: “Algumas pessoas atacam, por exemplo, o programa Bolsa Família dizendo que é um programa assistencialista. Não concordo com isso, não. Quer dizer, é assistencialista, o ideal é que nós não precisássemos ter esse tipo de programa. Mas, num país onde existe essa desigualdade dilaceradora e onde existem pessoas passando fome, um programa como o Bolsa Família é indispensável. Acho que o programa tem que ser ampliado e aprofundado”. (Correio Braziliense, 6/10/2006)
Se os dois candidatos apresentam projetos de governo que não são claramente percebidos pela população como distintos, no que concerne à política econômica, quanto à promoção do crescimento econômico e geração de emprego etc. e, se ainda, do ponto de vista ético, o eleitor não encontra motivos para colocar a mão no fogo por ninguém, que critérios sobram para fazer uma escolha, descartando-se os motivados por puro preconceito ou elitismo? Nesse contexto em que a invocação da ética é feita de forma duvidosa, em que a oferta de oportunidades para atender à demanda social acaba sendo, ainda, como cobertor curto que não cobre a todos, o que importa ou informa o voto são as prioridades que se acredita serão dadas por um e outro candidato em sua gestão.
No entanto, ao centrar a análise no conflito de classes ou de raças, desloca-se o foco de uma disputa entre projetos políticos, que, mesmo não sendo substancialmente diferentes, acenam, em suas nuances, com propostas identificadas como de maior potencial de inclusão e coesão social. Poderia Alckmin fazer mais do que Lula nessa direção? Na história recente, o desempenho de seu partido no governo federal e a sua, em particular, à frente do governo do estado de São Paulo, não oferecem sustentação para a essa hipótese.
Então, o mais provável é que o esforço de alguns para transformar as eleições em um Fla x Flu eleitoral de negros e pobres contra brancos e ricos tenha por objetivo reverter posições como as de Suassuna e outros, já que entre os extremos de uma maioria pobre, escura e iletrada, que acredita que Lula tem as respostas mais efetivas para as suas aflições, e a minoria branca rica, que ainda tem ojeriza a Lula apesar de ter sido plenamente beneficiada por seu governo, há expressivo contingente de brancos, negros, amarelos e indígenas que preferem uma proposta de governo mais inclusiva e solidária e vêem, ainda, na candidatura Lula, maior proximidade com essa aspiração. Entre os mais claros e de maior renda, há os que, sinceramente, abominam a perversidade das nossas desigualdades sociais; que reconhecem a dimensão racial que elas contêm; que têm a clara consciência dos privilégios de raça, cor e de classe de que desfrutam e não desejam sua perpetuação, que significaria pairar sobre as conquistas de suas vidas a mancha de serem, em parte, produto da exclusão de muitos; que sabem perfeitamente o quanto as classes médias e altas foram beneficiadas pelo Estado brasileiro na maior parte de nossa história republicana e não se orgulham disso.