Racionais Mc’s ainda em busca da revolução

Maior expoente do rap nacional falou do show desta sexta (6) no Recife e também sobre rap, manifestações, política e internet

Desde que iniciaram a carreira, na última década do século passado, Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay queriam transformar o bairro onde moravam, Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, e o mundo através do rap. Passados mais de vinte anos, os hoje quarentões sabem a importância que tiveram para toda uma geração, ao mostrar de forma franca a realidade e a cultura das favela para muito além das periferias.

Em entrevista exclusiva ao LeiaJá por telefone, Ice Blue afirmou que os novos rappers são mais inteligentes, pois seguiram o recado dos Racionais Mc’s para estudar e correr atrás dos seus objetivos, nunca deixando de esquecer as suas origens. O músico também falou que as manifestações ocorridas em julho deste ano já eram anunciadas há muito tempo pelo grupo em suas letras.

Para Blue hoje a favela é vista de forma diferente, tornando-se atração para que é de fora dela e ainda diz que o grupo não pode ser contra a qualquer movimento que surja dentro da periferia, seja que estilo for. Com uma grande identificação com o público pernambucano, o Racionais participa nesta sexta-feira do festival PE no Rap, onde tocará músicas do disco mais recente da banda e de projetos paralelos dos integrantes, além de receber convidados no palco.

Confira a entrevista:

LeiaJá – Qual a relação que o Racionais Mc’s tem com Recife e oseu público?

Ice Blue – A gente gosta muito de Recife. Sempre fomos muito bem aceitos na cidade. Sempre que o Racionais vai lançar algum disco, a gente tem Recife no itinerário.

LJ – Vocês têm acompanhado a cena de rap do Recife e do Nordeste?

IB – Hoje a gente não acompanha tanto porque estamos mais em estúdio, mas sabemos que acontece muita coisa musical em Recife. É uma celeiro de bandas, tanto de rap, quanto de outros ritmos. Os músicos daí têm a mágica de misturar os ritmos, eles fazem questão de mostrar algo de Recife nas músicas, como nós no início mostrávamos as coisas da periferia de São Paulo. Aqui nos chamam muito de bairrista por falar muito da Zona Sul e povo daí também tem muito disso quando fala de Recife.

LJ – Além do disco novo dos Racionais, os integrantes estão trabalhando em seus projetos paralelos. Como estão sendo conduzidos estes trabalhos?

IB – Estamos trabalhando no disco do Racionais e lançando quatro discos paralelos solo. Um é do (Mano) Brown com o Lino Krizz, o Edi Rock acabou de lançar o Contra Nós Ninguém Será, tem um álbum meu juntamente com o Helião, do RZO e a mixtape do KL Jay, onde vários artistas participam.

LJ – Em São Paulo, a música do momento nas periferias é funk ostentação, onde as letras falam de luxo, dinheiro e mulheres bonitas. O estilo é visto com preconceito por essa temática e os integrantes do Racionais já apareceram em clipes do gênero. Como vocês avaliam essa nova vertente do funk?

IB – Na verdade as pessoas não gostam de funk. Quando os caras cantavam sobre os problemas da favela e de crime, diziam que estavam fazendo apologia ao crime. Agora que os caras cantam coisas que supostamente é do mundo deles, coisas que acontecem na balada e que são sonhos possíveis para eles, as pessoas acham que é demais. Os caras do funk ostentação não fazem nada demais, pelo contrário. Eles estão totalmente na profissão perigo. Fazem três, quatro shows por noite. Imagina o risco de vida que esses caras correm? A gente nunca discriminou nenhum movimento de favela, e o funk é um movimento de periferia que conquistou espaço. Seria injusto nós ficarmos contra o funk, independente se falam de crime ou de ostentação. Aí dizem: “O funk incentiva as meninas a engravidarem e os moleques usarem drogas e beberem mais cedo”. E rock faz isso há quanto tempo e ninguém pegou o rock pra Cristo? É tanto que a frase mais famosa é sexo, drogas e rock n’ roll. Quantos artistas dessa geração morreram de Aids? Então, todo movimento tem uma conseqüência.

LJ – E sobre essa nova geração do rap, que tem várias vertentes e até com música em novela, qual a sua opinião?

 iceblue

IB – A nova geração são homens construídos por nós. Esses nos ouviram durante vinte anos. Nas nossas músicas nós falamos para eles estudarem, se formarem, para eles serem pretos, correrem atrás dos objetivos, pra realmente eles serem alguém e não pararem onde a minha geração parou, na quinta série. Essa nova geração são cantores de rap com diploma de faculdade. Essa é a diferença. É uma geração mais inteligente e mais estudada, que foi preparada pra isso. Até porque o Brasil é um novo Brasil e a periferia é uma nova periferia.

LJ – Essa nova geração, nem só do rap, mas de forma geral, é mais politizada do que aquela juventude do início da década de 1990, época do começo dos Racionais Mc’s?

IB – Hoje essa geração vive um momento delicado que nós chamamos de Nem-Nem. Nem estuda, nem trabalha. Nós com músicos e militantes sempre procuramos uma válvula de escape pra incentivar esses caras. Hoje a gente vê o Emicida, o Crioulo, a Flora Matos e outros levantando o nome o rap e dando esperança para outros moleques fazerem um rap. Antigamente só fazia dinheiro as bandas de mainstream, hoje está todo mundo fazendo a sua parcela. Houve um novo movimento no rap, no funk o no samba, isso mostra a extensão do movimento de favela.

LJ – Como vocês viram as manifestações de julho deste ano?

IB – Na época que estava acontecendo perguntaram o que nós achávamos e nós dissemos que já estávamos retratando isso desde o início do nosso trabalho. É só ver os nomes dos nossos discos Holocausto Urbano (1990), Escolha Seu Caminho (1992), Sobrevivendo no Inferno (1997),Nada Como Um Dia Após o Outro Dia (2002). Esses discos vêm relatando a periferia e o que o jovem preto e de favela vem passando, quanto desgostos que as mães vêm passando. A gente pediu para as pessoas reivindicarem os seus direitos, independente de quem tivesse de apontar ou acusar. A gente sempre vem falando para as pessoas irem pra rua, acreditarem em seus sonhos. Isso só foi mais uma coisa que a gente já vem cantando há anos, que o povo precisava fazer. E hoje ainda não teve a questão principal: os pretos precisam mostrar força, porque os pretos não estavam nas passeatas. A gente ainda tem que continuar.

LJ – O  próximo ano terá eleições e uma Copa do Mundo realizada no Brasil. Você acredita que 2014 será um ano de grandes mudanças no país?

IB – O Brasil está passando por mudanças há 12 anos, desde que o PT entrou. Tanto para o lado bom, quanto para o lado ruim. Ano que vem é um ano derradeiro para o Brasil continuar seguindo bem. Mas você percebe que o país ainda está muito desestruturado para receber uma Copa do Mundo. A política hoje é uma nova política. O que é o PT e PSDB atualmente? A gente pode afirmar que o PT é uma partido de esquerda e que o PSDB é outra coisa? Com essa lavagem de roupa que está acontecendo aí, está muito confuso.

LJ – A periferia que vocês cantam hoje é mesma que vocês retratavam há 20 anos?  

IB – Favela hoje é lugar de passear. Lugar de playboy ir em festa. A favela quando a gente começou a cantar era terror. Hoje as pessoas tem curiosidade sobre a favela, pessoas que não tem nada haver com o ambiente. Hoje dizer que é favelado é até um modo de se proteger.

LJ – Há pouco tempo vocês aderiram as redes sociais. Como é a relação do grupo com a internet?

IB – A gente resistiu ao máximo ter redes sociais. Mas a vinda da internet veio para concluir o rap. Caiu como uma luva para o movimento, democratizou a produção e a distribuição a partir do momento que o monopólio saiu da mão das gravadoras. Foi possível ser independente das rádios e das distribuidoras. Hoje os moloques estão fazendo essa comunicação rápida e o Racionais veio nessa também. Agora vamos estrear o nosso canal do Youtube, estamos no Instagram e no Facebook, coisa que uma artista não tem como não estar. Hoje isso faz parte do mecanismo de divulgação e não tem como está fora disso.

LJ – No show desta sexta-feira (6) terá alguma novidade. Os fãs vão poder conferir sucessos antigos como O Homem na Estrada e Pânico na Zona Sul?

IB – Sempre vemos há quanto tempo nós não vamos aos lugares e analisamos o nosso repertório, vendo qual músicas já tocamos por lá , quais as pessoas sempre pedem e tentamos atender de alguma forma. O que podemos falar agora é que vamos tocar as músicas novas, canções do disco do Edi Rock, músicas que já fizemos videoclipe e os clássicos que não tem como deixar de fora como Diário de um Detento e outras. Nosso show hoje tem a participação do Helião do RZO e do Lino Kriss deixando o show mais rico, com mais vozes e com mais gente para se apresentar. Músicas antigas como O Homem na Estrada e Fim de Semana no Parque tocamos algumas vezes e mesmo assim as pessoas pedem outras. Se deixar, faremos um show de mais de três horas para atender todo mundo.

 

 

Fonte: Leia Já

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