Racismo e a Igreja Evangélica: o que dizer sobre os fiéis pobres “encardidos”, “meio sujos”, ” moreninhos” e “queimados de sol”?

Não é novidade o caso assombroso, intragável e digno de todo repúdio ocorrido durante uma transmissão online do Pastor Rodrigo Santos e Jéssica Maciel, da cidade de Toledo, no Paraná. Em detrimento da forma como a notícia tem circulado, não diria que ela tem ” causado polêmica nas redes sociais”, não se trata apenas de polêmica mas da chaga mais sórdida que a igreja evangélica carrega durante anos a fio. Sabemos que o Racismo Estrutural existe e que todas as formas pérfidas em que ele se traveste circula nas nossas vidas em diversos âmbitos: dentro de casa, na escola, faculdade, trabalho, mídia…a lista é longa. Mas é inadmissível silenciar um debate tão revelante dentro da Instituição que está alicerçada principalmente nas regiões mais vulneráveis do nosso país, a Igreja Evangélica está presente nas favelas do Brasil.

Estabelecida em muitas periferias do Norte ao Sul do país, a despeito das críticas que de fato existem e são pertinentes, a igreja desenvolve alguns trabalhos essencialmente importantes nestas regiões, que como já dito, são em grande parte pobres e com maior presença da população negra. Dado ainda interpretações extremamente equivocadas sobre a questão racial, as relações étnicas e o racismo que são perpetuadas por uma análise rasa, vazia e inoperante da bíblia sagrada conjuga-se à tentativa genocida de silenciar, ocultar ou ter classificadas como “políticas demais” toda e qualquer tentativa de consagrar ao nível da possível conversa, a realidade coletiva à nossa volta, tomando o racismo, homofobia e machismo como pontos importantes a serem ao menos conversados e discutidos à luz das Escrituras. Dito isto, é importante pontuar que sou negra e membra de uma denominação Evangélica “Tradicional” há 10 anos logo, descrevo o que vi e revivi ao ver o vídeo do “Pastor” Rodrigo com sua esposa Jéssica Maciel.

Primeiro o que é assombroso ver é a figura do Pastor e sua esposa. Como a grande parte das Igrejas Evangélicas brasileiras, aqueles que assumem postos “altos” como pastores, bispos/bispas, chefes de Divisão/Departamentos, e qualquer outro cargo de direção são predominantemente BRANCOS. Sim, pasmem vocês…ou não. Pouquíssimo se vê em posição de lideranças cristãs pessoas pretas quiçá indígenas. (Pausa para imaginar) Façam um breve exercício e tentem recordar e comparar o número de lideranças, grupos musicais, artistas, escritor@s do meio gospel que sejam não brancos e/ou possuem/continuam em posição de destaque. Então…imaginem comigo uma região pauperizada do Paraná, ou poderia ser qualquer outro recanto deste país, com as pessoas mais “moreninhas”.

No começo do vídeo ao que parece, percebemos que a história do relacionamento do pastor e da sua esposa seriam contadas, tal senhora sorri, e se diverte, inebriada com aquela história de conto de fadas que começaria a ser contada pelo seu cônjuge, após algumas conversas ele segue: ” – E na região de Pioneira não se via LOIRA como a MINHA ESPOSA e quando ela veio pro culto DESTACOU”. Paro aqui para analisar com vocês alguns pontos: a) o racismo escancarado ao expor que não se via LOIRA na região em que o pastor tinha por coincidência VIVER e PREGAR um dos princípios mais básicos do Cristianismo: não fazer acepção de pessoas; b) ao expor como isso era uma característica destacável não é ilusão dos meus olhos ver a senhora esposa orgulhosa até, de ter se destacado entre ” moreninhos” ” encardidos” e “sujos” da região, ora ora, mulheres…será que caberia destacar aqui a exaltação e o elogio à brancura visto aqui?! E o horror continua o PASTOR segue então argumentando que as pessoas daquela região, os fiéis e IRMÃOS em CRISTO da sua igreja eram meio”MORENOS, QUEIMADO DO SOL, ENCARDIDO, MEIO SUJO”, não me diga que isso foi dito como sendo um aspecto positivo, afinal ele escolheu o que diferia da maioria encontrada ali, como as estruturas racistas emergem ‘sujeira’ sempre ligadas ao pavor que seria ser escuro, alusão básica desde os primórdios escravocratas endossados até por um certo aspecto eugenista, de limpeza como o oposto à sujeira emergente dessa população deplorável. Ele então finaliza” E ela era de um “POUQUINHO PIOR ALI NA VILA PAULISTA”.

O que pude sentir ao final do vídeo? Nojo. No tempo em que faço parte de uma denominação Evangélica, pude apenas relembrar o racismo que afeta as “ESCOLHAS” afetivas dentro da igreja, sobretudo quando o que existe de fato é um mercado casamenteiro cuja régua medidora é quem atrai o “menos preto”, o que tem “menos cara de pobre”, salvo em casos raríssimos em que o pressuposto bíblico é praticado e as escolhas são feitas mediante à vontade de Deus independente de qualquer diferença. Sempre vi casais brancos dentro das igrejas evangélicas serem alvos de muita bajulação, pessoas que não refletem o peso(negativo) que a sua representação possui em um Estado colonizador, genocida e racista como o nosso. Há muita admiração aos casais nas igrejas, sobretudo tratando-se do Pastor e fico refletindo como eles podem representar àquela população uma admiração alicerçada no racismo que faz com que, dentro das igrejas existam castas muito bem postas, cada um ocupando o seu lugar segundo mandam os ditames, não das Sagradas Escrituras mas do Racismo pérfido que precisa ser duramente combatido e denunciado, inclusive dentro das Igrejas.


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