Racismo é um câncer no Brasil, coisa de baixa escolaridade, diz Djavan

A imagem estampada em “Desúvio”, novo disco de Djavan, é forte e simbólica. O cantor posa incólume, com o rosto e os lábios cobertos de tintas negra e dourada, e seu olhar dilacera. Parece devorar o ouvinte. Impossível não relacioná-la à causa negra e também à capa de “Tutu”, mais influente álbum lançado pelo jazzista Miles Davis nos anos 1980. Mas, segundo ele, há o risco de terem carregado nas tintas.

por Leonardo Rodrigues no UOL

Djavan na foto de capa de seu novo trabalho de estúdio, Vesúvio Imagem- Nana Moraes:Divulgação

“Não me inspirei no Miles. Ele não usou a tinta na foto. Fiz diferente. Não posso dizer que exista uma ideia ou um conceito pré-definido por trás da imagem. Eu queria mesmo era fazer algo diferente, que saísse do lugar-comum, que eu nunca tivesse feito”, explica ao UOL Djavan, sem fechar os olhos para o mal do racismo, sentenciado por ele como “um dos problemas mais graves do Brasil”, “coisa de ignorante, de baixa escolaridade”.

Em temos musicais, Djavan promove em seu novo um trabalho um resgate de sua verve mais pop, mais solta, mesmo ciente de que, hoje, o pop ecoa bem diferente do que fazia nos 1980 e 1990, quando colecionou hits e discos de platina. O lado bom desse novo mundo: sem os mesmos holofotes, é muito mais fácil ter liberdade artística, inclusive para falar de política, como indica em faixas como “Solitude” e “Viver e Dever”.

Mas não espere discursos inflamados ou algo fora do espectro Djavan de poesia. “Tudo vai mal, muito sal/Nada vai bem, pra ninguém/Dessa pressão quem há de dar a mão para que eu mundo saia lá do fundo para respirar e não morrer?/Tem que plantar muito mais/Reflorestar ideais”, versa ele em “Viver e Dever”. “Eu tento falar de forma apartidária sobre as mazelas do mundo, não só do Brasil. E isso de um modo positivo. Eu tenho esperança e sou otimista de que tudo vai mudar”, entende Djavan.

Djavan posa para Vesúvio Imagem- Nana Moraes:Divulgação

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

UOL – A capa de “Desúvio” parece uma homenagem à negritude, e ainda há gente que minimize o racismo no Brasil, dizendo que ele não existe ou que é um problema menor. O que é racismo para você?

Djavan – De forma alguma ele não existe ou é problema menor. Tanto existe como é um dos problemas mais graves deste país. Eu sou negro e acho que os negros, dentro de suas possibilidades, devem continuar lutando, produzindo, mostrando sua força. Porque a raça negra é incrível. Tanto esteticamente quanto do ponto de vista histórico. O que o negro faz e fez no Brasil é muito importante, assim como no mundo inteiro. A cultura negra é uma cultura distinta. Não pode ser preterida de maneira nenhuma. É uma das culturas mais sensacionais e instigantes. A África, por exemplo, tem uma música de uma complexidade que a maior parte do mundo desconhece.

O negro no Brasil é um ser extremamente inteligente e criativo. O que nossos antepassados fizeram na nossa história, com sua potência criativa, é impressionante. E isso começa lá atrás com Machado de Assis, que é o maior escritor brasileiro. Eu acho que é uma idiotice em pleno 2018 você não perceber que o racismo é uma anomalia e que tem que ser extirpada. É um câncer na nossa sociedade. A contribuição que nosso negro deu, dá e poderá dar para a cultura brasileira, e em todos os outros campos, é monumental. Racismo é coisa de ignorância. Coisa de gente de baixa escolaridade.

Houve quem te acusasse de fazer “blackface” na foto, sob argumento de, mesmo sendo negro, você estaria tentando escurecer seu tom de pele, o que seria ofensivo. Isso te magoou?

Não posso dizer que tenha me magoado, porque essas críticas não chegaram efetivamente até mim. A internet é um ambiente livre, todos podem se manifestar e marcar posição, mas minha relação com a internet é muito voltada ao meu trabalho. Eu não fico na internet para ter contato com esse tipo de coisa. Sinceramente, não me interessa. O que eu queria [com a capa, que tem foto de Nana Moraes, caracterização de Anna van Steen e maquiagem de Joana Seibel] era fazer algo diferente, que eu nunca tivesse feito.

Djavan em foto de divulgação Imagem- Nana Moraes:Divulgação

Você é um artista que se tornou independente, que aparece pouco na mídia, que não toca em festivais nem faz uso de leis de incentivo em projetos. Você se considera idealista?

Não me considero idealista. Eu me sinto muito realista. Trabalho muito com o conteúdo concreto da vida. Meu trabalho e minha vida têm um teor altíssimo da coisa lúdica, do lirismo. Trabalho muito a poesia e a leveza da vida. Mas acho que a vida tem que ser vivida com decisão, mas sempre com leveza.

Independentemente do governo, você sempre acreditou muito no do Brasil. Isso não é ser idealista?

Continua considerando realismo. O Brasil tem tudo para ser potência. Só precisa de uma gerência responsável. Eu conheço bem o Brasil porque viajo muito. Tenho hábito de conversar com as pessoas para tentar colher o âmago de suas sensações, dos pontos de vista psicológico, econômico, material, cultural. Este país é um país de uma potencialidade enorme.

Falando em política, você compôs e gravou “Vesúvio” em período pré-eleição. Músicas como “Solitude” perpassam o tema. O quanto as eleições e o momento político te influenciaram?

Influenciaram totalmente. Em algumas músicas tento falar de forma apartidária sobre as mazelas do mundo, não só as do Brasil. E isso de um modo positivo. Eu tenho esperança e sou otimista de que tudo vai mudar. O Brasil chegou ao pior lugar que poderia chegar. Não pode descer mais do que já desceu. Agora a tendência é melhorar. As coisas tendem a se reconstruir, com valores sendo refundados. Tenho esperança que isso aconteça. Vou torcer por isso.

O quanto você é cobrado para se manifestar politicamente?

Eu sou uma pessoa que observa tudo o que acontece, e eu me posiciono quando acho que é a hora. Não tenho sido cobrado exaustivamente por isso. Minha posição em relação a toda essa questão política é de positividade. Não quero entrar em polêmicas vazias, que daqui a uma semana tudo que foi dito não servirá mais.

Prefiro me posicionar como me posicionei na música “Solitude”, por exemplo, que é uma música apartidária. Não estou pendendo para nenhum lado, porque esta não é a questão. A questão é você vislumbrar um caminho, um futuro.
Djavan

Quem se assume partidário hoje corre o risco de perder 50% do público. Vide o episódio Roger Waters. Sua posição tem a ver com isso?

Acho que faz parte da vida [se partidarizar]. Quando você se partidariza não deve ser por medo de alguma coisa. Deve ser exclusivamente para revelar sua ideia pessoal. O que você pensa sobre um assunto. Não é o meu caso, mas acho muito válido, sim.

Há quem defenda que, com a recente ascensão conservadora, a arte e a cultura vêm sendo demonizadas no Brasil. Você concorda? O que espera do próximo governo?

Tudo é sazonal, digamos assim. Pode ser que sim, que exista um retrocesso conservador, mas nada é definitivo. Eu tenho grandes esperanças. O Brasil é um país de potencialidade única. Temos um continente à disposição, totalmente agricultável. Não temos terremoto, furações. Mesmo tendo essa questão da Amazônia, sendo difícil conter o desmatamento, temos um clima totalmente favorável à produção de alimentos. Acho que o Brasil tem que apostar nas questões do clima, de maneira responsável. Porque isso tem a ver com o futuro do mundo.

O Brasil tende a ser uma grande nação. É um povo pacífico, maravilhoso, trabalhador. Precisamos exclusivamente de uma gerência responsável. De uma gestão que vise o futuro, que seja progressista, que queira nos fazer crescer de maneira sustentável. Uma administração que seja digna do povo e do país tão maravilhoso que somos. Tenho esperança que, em algum momento, isso vá acontecer.

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