Racismo lá e cá

Aqui, o racismo continua como sempre, quase invisível e silencioso, exceto para suas vítimas

por LUIZ HENRIQUE LIMA, do Midia News

 

Enquanto houver racismo e racistas, escreverei contra eles, denunciá-los-ei e combaterei. Da mesma forma, em relação à intolerância religiosa ou a outras formas de preconceito.

 

As manifestações racistas ocorridas nos Estados Unidos há poucos dias inspiram, simultaneamente, asco e revolta.

 

Como é possível que, a esta altura do processo evolutivo da humanidade, ainda se consiga arrebanhar milhares de imbecis com tochas nazistas, suásticas, capuzes brancos e outras alegorias e adereços que evocam o que há de pior na história de nossa espécie?

 

Como é possível que, em nome da liberdade de expressão e de manifestação, se autorize ou justifique a pregação do ódio e da violência, travestidos como “supremacia” de um grupo étnico?

 

Nosso país, é necessário que se diga, também tem muitos racistas. Não são ostensivos e assumidos como nos Estados Unidos, mas igualmente imbecis e perversos, e talvez mais perigosos, exatamente por sua hipocrisia e dissimulação.

 

Recentemente, na Feira Literária Internacional de Paraty o depoimento de uma professora aposentada comoveu a todos os que a ouviram, e foram muitos milhões os que a assistiram pelas redes sociais.

 

Ao relatar, setenta anos depois, um episódio de discriminação do qual foi vítima na infância, Diva Guimarães emocionou-se e chorou, revelando como atitudes e palavras racistas ferem e produzem sofrimentos que se estendem por muito tempo.

Nosso país, é necessário que se diga, também tem muitos racistas. Não são ostensivos e assumidos como nos Estados Unidos, mas igualmente imbecis e perversos, e talvez mais perigosos, exatamente por sua hipocrisia e dissimulação

 

Nem esse episódio – ocorrido dentro de uma escola religiosa! foi o único na vida dessa professora paranaense, nem foi ela a única brasileira negra a sofrer com o preconceito.

 

Pela repercussão de sua fala e pela minha própria experiência, creio que é muito difícil encontrar um negro brasileiro, de qualquer idade, profissão ou condição econômica, que nunca tenha passado por algum tipo de constrangimento semelhante.

 

Também há poucos dias, tomei conhecimento de dois episódios envolvendo crianças e discriminação.

 

O primeiro, num resort litorâneo, repleto de turistas estrangeiros, em que uma mãe brasileira proibiu seus filhos de brincarem com a única criança negra ali hospedada.

 

O outro, no parque infantil de um condomínio fechado, em que uma babá, alegadamente por brincadeira, espalhou para suas colegas que a criança negra que ali brincava era uma má influência para as demais!

 

Nem essa mãe, nem essa babá jamais assumirão que são racistas ou sairão às ruas com capuzes e tochas.

 

Mas suas “brincadeiras” perpetuam uma cultura de preconceito e suas palavras agridem com enorme violência psicológica a integridade e o amor-próprio de personalidades em formação. São lavradoras e professoras do ódio, camufladas como tantos outros ao nosso redor.

 

Lá e cá, o racismo é uma vergonha, uma covardia e uma abominação.

 

Nos Estados Unidos, felizmente, o episódio de Charlottesville, na Virgínia, produziu enorme reação por parte das lideranças respeitáveis daquela sociedade. Aqui, o racismo continua como sempre, quase invisível e silencioso, exceto para suas vítimas.

 

É preciso vencê-lo.

 

LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).

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