Racismo velado e o mês da Consciência Negra

 

Texto de Silvana Bárbara G. da Silva.

Em mais um mês de novembro que se passa, volta à tona a questão do feriado do Dia da Consciência Negra. A data remete à luta do líder Zumbi de Palmares pela liberdade e direitos dos(as) negros(as), sendo sua representatividade a formação dos Quilombos. Hoje, além da lembrança e homenagem à Zumbi, a data representa toda forma de luta e resistência do povo negro contra o racismo ainda vigente.

O dia 20 de novembro não é um feriado nacional, mas 1072 cidades (pouco mais de 19%) concederam feriado municipal, por considerarem respeito e responsabilidade com um povo que teve grande importância na História do país, mas que continua sendo discriminado.

Neste texto, o destaque das lutas pela conquista do feriado se dá pelos acontecimentos na cidade de Curitiba, onde aconteceu um caso de racismo explícito e total falta de respeito aos(às) negros(as). Criticamente conhecida como a “cidade europeia” (em razão de sua colonização e a falta de inclusão da cultura de outras etnias), os acontecimentos dos últimos dias contribuíram para revelar ainda mais o racismo que impera em Curitiba.

Entenda o contexto

No mês de janeiro deste ano, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou a instituição do dia 20 de novembro como feriado municipal, no que tange ao Dia Nacional da Consciência Negra. Neste mesmo mês, a Lei entrou em vigor, e, desde então, começou a polêmica realizada pelo imperialismo branco, que, não obstante, se posicionou contra. Vale ressaltar que a Lei criada para o feriado foi aprovada no dia 27 de novembro de 2012, mas como o prefeito da época, Luciano Ducci, colocou o texto no esquecimento (ou seja, não deu a mínima), o texto retornou à Câmara e foi promulgada em janeiro de 2013.

Em poucos dias após a promulgação do feriado, a ACP (Associação Comercial do Paraná) apoiada pelo SINDUSCON-PR (Sindicato da Construção Civil do Paraná) foi à Justiça com o objetivo de derrubar o ferido. A absurda justificativa apontada foi o prejuízo que mais um feriado daria ao comércio, estimado em R$160 milhões.

Com um posicionamento racista, a ACP divulga mais uma justificativa incabível, informando que a organização é contrária a todos os feriados, por comprometer especialmente as micros e pequenas empresas. Esta informação trata-se de um disparate, pois não é conhecido um fato parecido com este, onde foi aprovado e promulgado um feriado e depois anulado. Até mesmo o presidente da ACP, Edson José Ramos, não conseguiu apontar posicionamentos da organização que fossem contrários a outros feriados. Este fato não é nada espantoso, pois permite concluir que não houve nenhuma reação contrária aos demais feriados, sendo que justamente o Dia da Consciência Negra não teve aceite.

No começo deste mês de novembro, o Tribunal da Justiça do Paraná (TJ-PR) consentiu e aprovou o pedido da ACP e do SINDUSCON-PR. O órgão suspendeu a instituição do feriado do Dia da Consciência Negra em Curitiba.

O racismo velado

Além do descaso do poder público e das manifestações contrárias da ACP e SINDUSCON-PR, importante salientar que a sociedade também tem reagido de forma totalmente racista. Desde que ficou sabendo sobre a aprovação e promulgação do feriado do Dia da Consciência Negra, grande parte da população branca de Curitiba se mostrou contra, negando a importância do valor histórico das lutas do povo negro, e mais uma vez repetindo o discurso de “igualdade racial”. E que, em razão desta “igualdade”, da afirmação de que não há mais racismo no Brasil, e de que manifestantes negros(as) são chatos em exigir o “politicamente correto” o feriado não é justificável. E, novamente, surgem os mesmos discursos, do por que não existir o dia da consciência branca. Desta forma, fica fácil perceber o racismo, muitas vezes velado, da sociedade.

O Dia da Consciência Negra não se trata de uma comemoração. Mas sim de um dia específico para refletir que o povo negro ainda vive rodeado pela opressão; de que ainda é considerado “suspeito” nos lugares que freqüenta; de que seu acesso aos estudos ainda é precário; de que seu salário é inferior aos das pessoas brancas, mesmo ocupando posições equivalentes em uma empresa; de que a violência contra jovens negros(as) supera a dos(as) brancos(as).

Assim como os feriados católicos, trata-se de um dia de parar para fazer estas reflexões. Mas a sociedade não respeita as causas negras e tenta de todas as formas inibir e coagir suas manifestações.

 

Racismo velado e o mês da Consciência Negra

 

A indignação e os protestos

A suspensão do feriado do Dia da Consciência Negra em Curitiba, pelo TJ-PR, fez com que grupos do Movimento Negro da cidade se reunissem para a formação de um comitê, denominado de Comitê Zumbi dos Palmares. A criação deste comitê foi um marco na volta do Movimento Negro nas ruas de Curitiba, mostrando que o método há bastante tempo engessado depois da conquista das cotas raciais, está passando por uma renovação.

Deste comitê, começaram o desencadeamento de protestos do povo negro na “cidade europeia”. Durante uma plenária de sucesso, com a participação de lideranças e demais militantes das causas negras, foram deliberadas as mobilizações que demonstraram a indignação ao racismo e o descaso com um povo que fez História e que ainda luta para reverter as lembranças da escravidão.

No dia 12/11, grupos do Movimento Negro e seus apoiadores realizaram um ato em frente ao Tribunal de Justiça, seguindo em direção à ACP. Também como conseqüência das manifestações, a Câmara de Vereadores preparou uma ação contra a liminar que suspendeu o feriado. Inclusive, alegou a afirmação do Ministério Público, de que o Tribunal de Justiça não tem a competência necessária para avaliar a Lei que instituiu o feriado.

Recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara não teve sucesso. A decisão do ministro Gilmar Mendes foi a de não conceder o recurso da dos(as) vereadores(as). E quais as justificativas? A “falta de tempo” para estudar a lei que instituiu o feriado e de que os argumentos da Câmara Municipal foram insuficientes.

Esta decisão tende a mostrar com que a tal “igualdade” que pretendem divulgar não existe. Na realidade, há um discurso padronizado de que não existe racismo no país com o objetivo de tentar calar a voz do povo negro. Para que os(as) negros(as) se acomodem, que aceitem todo e qualquer tipo de discriminação. Que aceitem as “piadinhas” da mídia, pois o “politicamente correto” é muito chato.

Por ocasião da suspensão do feriado, as manifestações continuaram nas ruas e também nas redes sociais. Além dos atos públicos, a chamada de um evento de boicote ao comércio, ancorado na justificativa capitalista do prejuízo que as empresas teriam com o novo feriado, foi uma forma de reivindicar a importância do dia. Também foi escrito um Manifesto que representa toda a indignação com a falta de respeito à data, que teve como objetivo mostrar à sociedade que o povo negro não aceita a indiferença que lhe foi dada, e que sua memória é esquecida por trás do racismo velado que impera.

Vale ressaltar também o posicionamento consciente de algumas instituições de ensino, ao manter o recesso, mesmo com a decisão contrária do sistema racista operante.

Os protestos realizados foram relevantes para mostrar que o Movimento Negro está acordado, e que não aceitou as decisões do TJ e do STF. E também para colocar nas ruas a importância da data, pois muitas pessoas a ignoram totalmente.

Para quem pensa que os(as) manifestantes negros(as) fracassaram por não conseguirem a aprovação do feriado este ano, pode tirar o sorriso do rosto. Para o incômodo de muitas pessoas, toda a polêmica levantada em razão do feriado fez com que as lutas dos(as) negros(as) se fortalecesse. Engessado após as conquistas das cotas raciais, o Movimento Negro de Curitiba volta a ocupar as ruas da cidade, incomodando o sistema racista.

Mas calma, caso se depare com um grupo de negros(as) vindo em sua direção, não se apavore, pois não são bandidos(as). São militantes lutando e resistindo contra a opressão. E este(as) carregam, sim, suas armas poderosas: SUAS BANDEIRAS DE LUTA!

 

 

Fonte: Blogueiras Feministas

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