Rainha de bloco afro é referência de empreendedorismo na BA

“Empreender nessa capital é muito difícil porque passamos por preconceitos todos os dias”, diz Gerusa Menezzes, artesã capilar

Segundo dados da pesquisa “Afroempreendendorismo Brasil”, realizada pelo Movimento Black Money, em parceria com a Inventivos e a RD Station, publicada em maio do ano passado, 61,9% do empreendedores pretos e pardos têm ensino superior, 15,8% possuem renda familiar superior a seis salários mínimos. Nessa mesma pesquisa, também foi apontado que, 35,8% dos empreendedores estão na faixa etária entre 25 e 34 anos, sendo 61,5%, mulheres.

Empreendendo num salão de beleza há 18 anos, a eterna Deusa do Ébano (1998), do Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil e moradora do Curuzu, em Salvador, Gerusa Menezzes Ferreira, 50 anos, faz a moeda girar em mãos pretas, mesmo passando por preconceitos diários, por ser uma mulher preta. Seu estabelecimento, o Cia das Tranças Menezzes, é referência para a comunidade.

Ver minhas amigas alisando o cabelo me incomodava, tantos cabelos caindo com química. Aí pensei: vamos criar um espaço onde todos possam usar os cabelos como quiserem. Tenham liberdade de entender que cabelo é sua identidade. Eu precisava ter este ponto
Foto: Gerusa Menezzes / ANF

“Empreender nessa capital é muito difícil porque passamos por preconceitos todos os dias. É difícil ter que pontuar estas questões a todo momento, sabemos da nossa história e não precisamos que contem ela por nós. Nosso povo contribui para que o estabelecimento continue aberto e os serviços andem de mãos dadas, fazendo com que a nossa moeda gire em nossas mãos, valorizando a nossa arte”, conta Gerusa.

Durante 10 anos Gerusa trabalhou no salão da Negra Jho, referência na Bahia na arte das tranças. Nesse mesmo período, após ficar impossibilitada de trabalhar fora, passou a receber seus clientes em casa, entretanto, ao longo do tempo foi percebendo o desconforto por parte dos clientes, devido ao espaço que não era o adequado para alguns serviços e resolveu abrir seu salão, fruto de sabedoria, força, inteligência e querer. Ela entendeu que poderia mudar a realidade de suas amigas que viviam alisando os cabelos.

“Ver minhas amigas alisando o cabelo me incomodava, tantos cabelos caindo com química. Aí pensei: vamos fazer diferente, criar um espaço onde todos possam usar os cabelos como quiserem. Tenham liberdade de entender que seu cabelo é sua identidade. Eu precisava ter este ponto de referência e aí, temos essa base que constrói e realiza atitude, que é o Cia das Tranças Menezzes, aqui no bairro do Curuzu”, explica a proprietária.

Cia das Tranças
Foto: Gerusa Menezzes / ANF

Na história do empreendedorismo, a raiz afrocentrada está ligada à necessidade de sobreviver e de se reinventar. Foi o que Gerusa fez, depois de trabalhar por anos no salão de Beleza do Alex Cameleiro, onde fazia de tudo um pouco e com o tempo foi percebendo que nas festas, principalmente do bairro, todos iam com penteados feitos por ela, ficou claro qual a carreira queria seguir.

Gerusa não tem curso em administração, mas a vida foi sua escola. Seu curso foi ver a necessidade do povo preto perceber que não podia andar com seus cabelos assanhados. Fez muitas tranças em seu próprio cabelo, apendeu muito com ele e, logo após, começou a dar cursos em comunidades, ensinando tranças, torços, mega hair, maquiagem e turbantes, serviços que hoje são oferecidos em seu salão.

Hoje, o Cia das Tranças, segue de maneira firme, comandado e administrado apenas por Gerusa, que atende a todos os públicos, desde criança e jovens, passando pelos adultos e idosos, com técnicas singulares que conquistam, não só a população local, mas também turistas. Todos os anos, no período de carnaval, no Curuzu, principalmente no dia da saída do Ilê Aiyê, o salão fica tomado com as diversas belezas negras que vão se preparar para encarar a avenida seguindo o “mais belo dos belos” (Bloco Ilê Ayê).

Seu ambiente de trabalho mostra quem ela é e de onde ela vem: mulher preta, empoderada que traz consigo o axé e ancestralidade. Gerusa é sinônimo da mulher preta que fez da necessidade, a chave para o sucesso.

Geruzza Menezzes – Eterna rainha do Ilê Ayê
Foto: Arquivo pessoal / ANF

“Ser mulher já é muito difícil, preta, muito pior. Tudo isso porque o machismo impera diante desse cenário que passamos todos os dias, mas eu levo de forma tranquila porque sou das águas e ela está sempre passando e renovando. A ancestralidade é o caminho que me faz trilhar, sou uma mulher de fé e a minha ancestralidade me guia e protege meu Ori para que todas as minhas decisões sejam tomadas com cautela. Minhas mãos fazem a cabeça do meu povo e com energia positiva, eu só tenho a agradecer”, finaliza a eterna Rainha do Ilê Aiyê.

“A ancestralidade é o caminho que me faz trilhar, sou uma mulher de fé e a minha ancestralidade me guia e protege meu Ori para que todas as minhas decisões sejam tomadas com cautela”
Foto: Geruza Menezzes / ANF

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