O post do facebook era direto e começava com o seguinte enunciado: “Galerinha que pretende ir ao médico. Vá ao Pam de São João do Meriti. Lá possui um médico negro, alto, de black, barba perfeita e dá um ótimo atendimento, tanto que nem quis sair do hospital de tão bem atendida, me senti em casa. Super recomendo. Eu vivi pra ver esta cena, a casa grande surta tem negro na medicina sim”, Quando Alleeh Rodrigues publicou este post em seu facebook nem imaginava que a mensagem com a foto que ela tirou, sem que o médico percebesse, viralizaria na internet e chegaria a receber mais de 12 mil curtidas e 4465 compartilhamentos.
O médico citado e fotografado ‘é Raphael Oliveira, estudante do quinto ano de medicina e estagiário do Pronto Atendimento Médico (Pam) de Sao João do Meriti, Rio de Janeiro. Raphael estava de viagem ao exterior quando começou a receber inúmeras mensagens dos amigos sobre a fama repentina. Ele sequer imaginava que haviam publicado um post com uma foto sua na rede social, que dirá imaginar que estava fazendo sucesso em razão da carreira que escolheu não ser vista como uma carreira a ser ocupada por um homem negro.
Raphael com sua roupa de trabalho, orgulho para os pacientes do PAM
Se alguém nos pede repentinamente para imaginarmos um médico, provavelmente ele não será como a paciente descreveu Raphael em seu post “médico negro, alto, de black, barba perfeita”. Nossa mente criará a imagem de um médico branco. Médicos negros são exceção não só no Rio de Janeiro, mas em todo o país. Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apenas 0,9% dos doutores que realizaram o exame de avaliação da instituição em 2015 se autodeclaram negros. A Universidade de São Paulo (USP) tem o vestibular de medicina mais disputado do país. Dos 298 candidatos aprovados no vestibular de 2016, dois se autodeclaram negros e 22 pardos.
O post publicado pela paciente, mais de 12 mil curtidas no facebook.
O futuro Dr. Raphael faz parte de um número muito pequeno de jovens negros que conseguem sentar nas carteiras dos cursos mais concorridos das universidades brasileiras. Na sala de aula da faculdade em que ele estuda, dos 120 alunos somente ele e mais um são negros. Filho de uma assistente social e de um funcionário público federal, o jovem estudante escolheu medicina influenciado pela tia Rogéria Claudia, médica gastroenterologista, amiga e inspiradora de Raphael. O jovem cresceu numa família onde as referências educacionais foram muito importantes para que ele seguisse a carreira universitária, outra realidade incomum para um jovem negro. A maioria dos jovens negros que ingressaram na faculdade nos últimos dez anos são a primeira geração de estudantes universitários da família.
Raphael estuda na Faculdade de Medicina de Petrópolis, o curso é particular e durante o primeiro ano ele contou com a ajuda da mãe para custear os estudos. Já no segundo ano, conseguiu ser beneficiário do Programa de Financiamento Estudantil (FIES). Graças a medidas afirmativas como o FIES, o ProUni e as políticas de cotas, o número de negros nas universidades, passou em dez anos de 5,5% para 12,8%. Estes números foram apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e foram contabilizados entre 2005 e 2015. “Cada vez mais estamos quebrando os paradigmas, as cotas e os programas educacionais como o ProUni e o Fies são medidas afirmativas que vieram, na minha opinião, de forma fantástica para permitir o acesso de todas as minorias, acho que devem ser tratadas como medidas paliativas, assim que tivermos uma educação pública de qualidade elas devem ser encerradas, mas agora elas tem um papel fundamental pra conseguirmos colocar a população negra nas universidades” explicou o futuro médico que fez todo o seu ensino básico e médio em uma Escola Pública Federal.
Sobre o comportamento dos pacientes quando são atendidos pelo médico negro de cabelo black, Raphael diz que alguns olham com estranheza, mas a maioria se identifica com o médico, uma vez que o perfil da população que ele atende no PAM é de maioria negra. “Normalmente eles dizem: Nossa primeira vez que eu vejo um médico negro. Mas na maioria das vezes a recepção das pessoas é boa, a população que eu atendo é uma população negra e ela acaba se identificando com o médico e eu consigo ter um acesso melhor ao que aquela pessoa esta sentindo quando acontece essa identificação”.
Ele ainda não sabe que especialidade seguir, mas pensa em cirurgia geral ou gastroenterologia como a Tia Rogéria, a inspiração em pessoa. Mas sabe que o mestrado será dedicado a um tema que aborde questões de raça e gênero. “Faltam estudos para balizar a qualidade da saúde da população negra. Isso é muito importante pra gente, penso em trabalhar estas questões em meu mestrado”, explica.
Raphael sabe que o post publicado pela paciente viralizou porque muitos brasileiros sentem orgulho de vê-lo ocupando um lugar que sempre foi ocupado pelos brancos. Mas ele está descobrindo que é uma referência para jovens negros que assim como ele sonham em ser profissionais renomados da medicina, engenharia, do direito ou de qualquer outra profissão que tenha como requisito um diploma universitário. Rafael deixou um recado para estes jovens. “Você jovem negro tem que botar na sua cabeça que tem potencial como qualquer um. E este potencial você vai conseguir através dos estudos. Eu sei que, eventualmente, é difícil. Temos que trabalhar, temos que conseguir dinheiro ou outras formas de subsistência pras nossas famílias, mas pense que onde estiver tem que estar sempre estudando. Busque espelho em pessoas negras ou não, mas tenha exemplos propulsores que te ajudem a conseguir seus objetivos. Educação em primeiro lugar, sem educação a gente não consegue nada”.
O Raphael é tão atencioso que acho que até eu quero ser atendida no PAM de São João do Meriti.
Valeu Raphael, estamos torcendo por você!