Redução da jornada de trabalho ajudaria quebrar armadilha da baixa produtividade?

Políticas complementares são necessárias para garantir bem-estar da classe trabalhadora

Exemplos de países desenvolvidos não dizem muito sobre qual seria o efeito da implementação de uma redução da jornada de trabalho no Brasil. A explicação é simples: nossa estrutura produtiva é distinta, nossa cultura é distinta.

Enquanto países desenvolvidos possuem uma economia com alta produtividade e um sistema educacional que garante a formação de uma mão de obra qualificada, ainda enfrentamos desafios como baixa qualificação da força de trabalho, alta informalidade e grandes desigualdades regionais.

Assim, qualquer comparação deve considerar as particularidades de nosso contexto. O cenário mais provável de uma adoção de uma política de redução da jornada no Brasil é o de um choque negativo no curto prazo durante o processo de transição, cuja dimensão é difícil de estimar.

Os setores de maior valor agregado até podem experimentar ganhos de produtividade, entretanto, parte expressiva de nossa economia é marcada por setores intensivos em mão de obra barata, os quais tendem a apresentar perdas. Desse modo, uma eventual reforma deveria ser pensada em conjunto com medidas complementares que procurem mitigar os potenciais impactos negativos de curto prazo e maximizar os benefícios no médio e longo prazo.

Ciclo da baixa qualificação e a armadilha da produtividade

Um dos entraves ao potencial econômico do Brasil é o expressivo número de trabalhadores pouco qualificados presos em um ciclo repetitivo. Parte considerável de nossa população não tem oportunidades educacionais reais ou tem baixa expectativa de retorno sobre a educação. Isso, em conjunção com outros fatores, faz com que muitos invistam pouco no desenvolvimento de suas competências.

Dessa forma, eles ingressam no mercado de trabalho com baixa qualificação, ocupando cargos mal remunerados e intensivos em trabalho manual. As longas jornadas dessas funções deixam pouco espaço para os estudos e o aprimoramento de suas habilidades, fazendo com que eles permaneçam presos em empregos que não lhes dão apenas poucas chances de ter qualquer mobilidade social, mas também pouco tempo para descanso. O resultado é um ciclo de estagnação que é retroalimentado, fazendo com que os trabalhadores pouco qualificados permaneçam com baixa qualificação, mal remunerados e em empresas de baixa produtividade.

A redução da jornada de trabalho, se acompanhada de outras políticas bem desenhadas, sendo uma delas voltada para melhorar nosso sistema educacional, pode oferecer uma saída para essa armadilha. Com mais tempo disponível, os trabalhadores poderiam se qualificar para trabalhos mais bem remunerados.

Impacto no trabalho

  • 60,3%tiveram nível de engajamento maior
  • 71,5%tiveram aumento de produtividade
  • 65,5%notaram elevação no comprometimento com a empresa
  • 48,2%dos participantes perceberam aumento do ritmo de trabalho
  • 46,6%notaram estabilidade no nível de trabalho
  • 77,9%tiveram volume de trabalho constante

Os ganhos de longo prazo se refletiriam em uma força de trabalho mais produtiva, que seria um dos vetores para o impulsionamento da mobilidade social. Sem investimentos na qualificação do trabalhador brasileiro e outras políticas complementares, é possível que uma mudança na legislação apenas desloque parte do tempo dos trabalhadores do setor formal para o informal. Ou seja, não haverá ganhos de bem-estar para o trabalhador, visto que ele continuará passando grande parte de sua vida preso a trabalhos de longas jornadas e baixa remuneração.


O título é uma homenagem à música Construção, de Chico Buarque.


Michael França – Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford

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