Relatos de mães que tiveram os filhos mortos pela polícia

A dor, a tristeza e a saudade.

Por Rosana Pinheiro Do Vice

Aos 14 anos, Robson Fernando Donato de Paula foi baleado por um policial militar. Encostado em um carro roubado, o garoto foi tido como principal suspeito do roubo. Na perseguição, que aconteceu no Jardim Rodolfo Pirani, na Zona Leste de São Paulo, bairro onde morava, Robson recebeu um tiro em sua coluna. Depois de sobreviver, o jovem, no entanto, decidiu não processar o policial que o deixou paraplégico, mesmo recebendo apoio do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

Segundo Alice Silva, avó de Robson, policias militares chegaram a intimidar amigos do garoto após o ocorrido. Por isso, Robson teve medo que, ao entrar com processo, algo pudesse acontecer para os seus amigos e familiares. “Ele até ficou bravo com o pessoal do DHPP que veio aqui insistir nisso, ele tinha medo do que podia acontecer”.

No dia 21 de outubro de 2016, poucos dias antes de completar 17 anos, Robson passou a engrossar estatísticas de mortes causadas por policiais — agora em um dos casos mais cruéis já registrados em São Paulo. Ele foi encontrado morto, ao lado de outros quatro amigos, na chacina de Mogi das Cruzes.

Após serem atraídos para uma festa via um perfil falso no Facebook, Robson e mais quatro amigos do Jd. Rodolfo Pirani seguiram para Ribeirão Pires, região metropolitana de São Paulo. Era uma emboscada. Foram mortos, enterrados em uma cova rasa e cobertos com cal, que acelera o processo de decomposição. “O Robson levou sete facadas nas costas e foi decapitado. Eu fico imaginando, como mãe, como avó, por que fizeram isso com o meu menino. Porque ele não podia se mexer, não tinha como se defender de nada”, diz Alice Silva, recontando a história como se buscasse algum sentido para tudo que tem passado.

Um Guarda Civil Municipal (GCM) foi preso após confessar ter criado o perfil na rede social. Ele afirma não ter participado da chacina. Outros GCMs estão sendo investigados sob suspeita de participação no crime. Uma das linhas de investigação do DHPP aponta que o assassinato dos cinco jovens teria sido motivado por um grupo de extermínio composto por policiais, que teriam vingado a morte de Rodrigo Lopes, outro policial da GCM.

Segundo nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a investigação da chacina corre em segredo de Justiça.

Em junho de 2016, o relatório final da CPI do Assassinato de Jovens do Senado Federal apresentou números estarrecedores sobre a violência no Brasil. Segundo o documento, mais de 56 mil pessoas são assassinadas anualmente no país. Do total de mortos, 53% são jovens (15 e 24 anos), 77% são negros e 93% são do sexo masculino. Os homicídios dolosos, com a intenção de matar, são a principal causa de morte de jovens, um risco que ameaça principalmente as camadas mais pobres do país. Não bastasse esse cenário, a taxa de mortalidade decorrente de intervenções policiais no Brasil (1,6) é mais alta que em Honduras (1,2), considerada a nação mais violenta do mundo segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os números são chocantes, e apenas uma mostra do sofrimento de mães que, como Alice, seguem sem resposta sobre a morte dos filhos. Conversei com sete mães de São Paulo que tiveram seus filhos mortos por policiais. Em comum, a dor, a tristeza, a saudade e um pedido: “escreve aí na sua reportagem, moça, que eu não vou desistir do meu filho”.

Adriana Moreira, mãe de Jonathan Moreira Ferreira

Jonathan Moreira, 18, foi um dos cinco jovens mortos na chacina de Mogi das Cruzes. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Eu enterrei o meu filho sem rosto, porque quando encontraram o Jonathan, o corpo dele já estava em estado avançado de decomposição. Eu não quis ver. Tem dias que eu me arrependo. Mas eu não queria ter aquela lembrança. Eu lembro do último dia dele em casa. Ele cortou o cabelo, fez a barba, tomou banho, passou os cremes dele. Aí ele olhava no espelho e falava assim ‘seu filho é lindo, olha como o seu filho é lindo, mãe’. Daí ele colocou o conjunto da Adidas que ele amava e me disse que ia em um baile aqui perto com os amigos. Eu falei “tá bom, vai com Deus” e nunca mais vi meu filho.”

Roseli Nazaré Machado, mãe do Caíque Henrique Machado

Caíque Machado, 18, foi um dos jovens mortos na chacina de Mogi das Cruzes. Caíque era considerado suspeito pelos GCMs pela morte de Rodolfo Lopes Sabino, guarda civil que morreu com um tiro durante assalto. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Eu fiquei revoltada com Deus, sim. Quem não ia ficar? Naquele momento que meu filho saiu, por que Deus não tocou no meu coração? Eu não senti nada. Eu deixei o Caíque sair. Ele falou que ia em uma festa aqui perto, que eles sempre vão de sexta-feira, né. Eu falei ‘tá bom’. Depois disso eu procurei meu filho até no meio de carniça de animal. Quando a gente via grupo de urubu, saia todo mundo correndo para ver se eram os meninos.”

Alice Silva, avó do Robson de Paula

Robson de Paula, 16, foi um dos cinco jovens mortos na chacina de Mogi das Cruzes. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“O Robson morreu com sete facadas nas costas. Imagina ele lá, paraplégico, sem poder se mexer, levando facada. Não dá, é muito sofrimento. Minha filha foi embora de São Paulo, não aguentou ficar aqui. Eu já não estou aguentando, eu durmo o dia inteiro para ver se o dia passa mais rápido e a noite eu fico pensando nele. O Robson, quando tinha 14 anos, estava aqui na vila com os amigos e chegou uma viatura procurando por ladrão de carro. Ele saiu correndo e acabou levando um tiro na coluna. Ele já era vítima, né. Porque quando encontraram o carro, o dono foi lá na delegacia e não reconheceu o Robson como o ladrão.”

Maria José Paula Alves, mãe de Abner Alves Benedito

Abner, 20, foi morto no dia 4 de fevereiro de 2017, dentro do próprio carro, na Avenida Ragueb Chohfi, Zona Leste de São Paulo. Abner trabalhava como açougueiro e não tinha passagens pela polícia. Ele foi atingido por quatro tiros. No boletim de ocorrência, policiais alegam que Abner participava de um roubo e que estava armado. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Aquele carro era tudo para ele. O Abner trabalhou dia e noite para conseguir comprar aquele Corsa. Ele falava para mim ‘mãe, eu não vou perder meu carro em batida policial’. Porque aqui é assim, eles já chegam batendo nos meninos, por causa desses tênis de mil reais, de carro, eles não querem saber se é trabalhador. Eles acham que pobre não compra as coisas.”

Tatiana Lira, mãe de Peterson Silva de Oliveira

Peterson, 18, foi morto no dia 14 de janeiro de 2017, com um tiro na nuca. Ele saía de uma festa com quatro amigos quando se iniciou uma confusão com policiais militares. Os amigos conseguiram correr. Os policiais alegam que reagiram porque Peterson estava armado. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Meu filho não tinha passagem pela polícia. E mesmo se tivesse. Eu estaria da mesma forma aqui contando para você essa história. Eu não tenho medo, eu não tenho vergonha de aparecer. Porque eu já morri, sabe? No dia que meu filho nasceu, eu nasci. No dia que ele morreu, eu morri também. O Peterson era um rapaz comum, trabalhava, estudava, gostava de sair, de se divertir com os amigos. Naquela noite eu ainda falei para ele ‘filho, não demora que a mãe fica preocupada’. Aí ele falou assim: ‘mãe, relaxa que eu não faço mal pra ninguém’. Depois disso eu só fui ver meu filho morto.”

Solange Oliveira, mãe de Victor Antônio Brabo

Victor Antônio Brabo, 20, foi morto com três tiros disparados por um policial civil do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos). Victor tentou fazer uma saidinha de banco no bairro de Perdizes, em São Paulo. Filmagens da câmera de segurança do banco mostram que ele tentou se render ao ser abordado pelo policial. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Depois que a gente perde um filho, a gente passa a ser mãe de todos os jovens. Já teve ocasião de eu estar dentro do ônibus e ver abordagem policial com jovem, descer no próximo ponto e ficar esperando. Porque a partir do momento que você vê alguém perto de um policial, aquela pessoa está correndo o risco de morrer. Se tivesse uma mãe na hora que meu filho se rendeu, quem sabe ele ainda estivesse aqui comigo.”

Márcia Conti, mãe de Peterson Senoreli (Renato)

Peterson Senoreli, 21, foi morto em 18 de março de 2015. Peterson foi abordado por quatro policiais, na região do Itaim Paulista, apresentou a certidão de nascimento e, ao ser questionado pelos PMs, não soube dizer o nome dos avós biológicos, com quem nunca teve contato. Ele foi espancado e morreu no hospital. Foto: Rosana Pinheiro/Agência PLANO/VICE

“Os policiais que largaram o meu filho no hospital disseram que o Renato estava na rua passando mal. Eles tentaram socorrê-lo usando força moderada, porque afirmam que o Renatinho não soltava de um poste. Só que meu filho estava com marca de bota no peito, com vários hematomas, hemorragia interna, traumatismo craniano e manchas de Tardieu. Sabe o que é isso? É quando a pessoa morre por asfixia. Espancaram meu menino até a morte.”

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