Resistência negra permeia história do Museu da Abolição

A única instituição vinculada ao MinC a se dedicar exclusivamente à temática afro tem uma trajetória marcada pela luta para se manter aberta

Por Mariana Mesquita, no Folha-PE

Negritudeé resistência, e oMuseu da Abolição (MAB) confirma essa premissa. Único museu brasileiro vinculado ao Ministério da Cultura (MinC) a tratarexclusivamente da temática afro, ele existe há seis décadas, mas ao longo desse período só funcionou, de fato, por 24 anos.

Foi fechado por duas vezes, uma delas durante o mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello, e desde 2013 briga com o governo de Pernambuco para que seja construído um novo acesso ao estacionamento (o original foi retirado por conta da construção do Túnel da Abolição).

Maria Elisabete Arruda comemora o trabalho feito no Museu da Abolição mas teme pelo futuro do espaço
Foto: Arthur de Souza/Arquivo Folha

 

“Estamos ilhados, porque o acesso está complicado tanto pela rua Real da Torre como pela rua Benfica”, aponta a diretora do MAB, Maria Elisabete Arruda, que em 2015 procurou o Ministério Público Federal para tentar resolver a questão. Apesar das dificuldades, ela comemora o fato de estar conseguindo uma boa visibilidade, graças a muito trabalho nesse sentido. “No ano passado, tivemos um recorde de público, o maior de toda a nossa história”, relata.

Antes de virar museu, casarão estava em situação precária e ocupado por moradores de rua – Crédito: Acervo Museu da Abolição

Moradores sem-teto tiveram que ser realocados durante a reforma do museu (foto de 1958) – Crédito: Acervo Museu da Abolição

Criado em 1957 através de um decreto do presidente Juscelino Kubitschek, o MAB foi idealizado como uma homenagem aos abolicionistasJoaquim Nabuco e João Alfredo, que tinha sido proprietário daquele casarão. O imóvel estava em um estado precário, servindo de guarida para moradores sem-teto. Após ser tombado como monumento histórico, ele passou pormais de uma década de restauros.

Em 1975, a reforma foi concluída, mas o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que era o órgão responsável na época pelos museus brasileiros, não tomou as medidas necessárias para que o museu começasse a funcionar. Ao contrário: ocupou o espaço com sua superintendência, e essa convivência se alongou por duas décadas, chegando ao ponto de monopolizar 14 das 17 salas existentes no casarão.

Casa que abriga o Museu da Abolição foi a residência do Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira – Crédito: Reprodução/Folha-PE

Apesar das dificuldades, em 13 de maio de 1983, no Dia da Abolição, de forma tímida e contrariando o que pregam os movimentos sociais negros brasileiros, o MAB foi inaugurado, trazendo uma exposição sobre a Abolição nos textos oficiais. Maria Elisabete Arruda conta que o museu só viria a ser mais aceito pelos próprios negros a partir dos anos 2000, quando uma série de seminários e discussões foram realizadas para repensar a existência e o perfil da instituição, e inclusive seu nome. Reaberto em 20 de novembro de 2010, no Dia da Consciência Negra, o museu parece enfim ter encontrado seu eixo.

Parte do acervo permanente do Museu da Abolição – Crédito: Arthur de Souza/Arquivo Folha

Hoje, conta com uma equipe fixa e exposições temporárias e permanentes. No momento, por exemplo, abriga no térreo a mostra coletiva “Os da minha Rua: Poéticas de R/Existência de artistas afro-brasileiros”, congregando dez artistas de todo o país. Já no primeiro andar, há três conjuntos distintos de obras de arte (europeias e africanas) com a temática negra – objetos valiosos apreendidos pela Receita Federal ou cedidos à União como pagamento de dívidas, com base na lei 12.840/2013. Entre eles, destaca-se uma bela coleção de artefatos africanos em madeira, ferro e fibra vegetal.

A diretora do espaço confessa apreensão em relação ao futurodo MAB, já que Michel Temer anunciou em setembro a extinção do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Mas ela se orgulha do diálogo intenso que vem sendo desenvolvido com os movimentos sociais e da dimensão que o espaço vem conseguindo alcançar.

“Infelizmente, olugar dos negros na sociedade brasileira ainda é de terceira classe, mesmo que após a Abolição tenham deixado de ser vistos como coisas, como animais. Para mim, um dos aspectos mais interessantes deste museu é ter a memória afro-brasileira sendo preservada, valorizada e discutida dentro de uma casa senhorial, de um casarão de engenho. A senzala finalmente ocupou um lugar de destaque, e isso é algo simbolicamente muito representativo, mas que não foi dado a ninguém de bandeja”, afirma.

Local enfrenta problemas de acesso

Uma das maiores dificuldades enfrentadas atualmente pelo MAB é o acesso ao museu. Desde o dia 18 de abril de 2013, a entrada do estacionamento foi fechada, impedindo carros, pedestres, ônibus e caminhões de acessarem a área, vindo pela rua Real da Torre. Na prática, o transporte de obras de arte e a entrada de ônibus com estudantes estão suspensos, e o acesso de veículos, inclusive carregando pessoas com deficiência motora, está prejudicado.

Construção do túnel impede o acesso ao estacionamento do Museu da Abolição, que aguarda solução desde 2013 – Crédito: Arthur de Souza/Arquivo Folha

“Já houve uma segunda Copa do Mundo e nada do governo estadual cumprir o que acordaram há mais de cinco anos. Até agora, não sabemos sequer quando o edital de início das obras vai ser publicado. Eles vêm empurrando com a barriga, porque o museu não é prioridade. A memória afro não é prioridade”, critica Maria Elisabete Arruda.

Procurada pela reportagem, aSecretaria Estadual das Cidadesinformou por meio de nota que o lançamento do edital para a contratação da obra está previsto para o próximo mês de novembro, e que para “dar celeridade à reforma do Museu da Abolição e evitar novos atrasos”, vai desvincular a licitação daquela que também será realizada nas praças no entorno do MAB.

+ sobre o tema

Pelé inspira arte em nova exposição em Londres

Uma exposição em Londres, batizada de "Art, Life, Football"...

‘Corra!’ vence como melhor filme no Spirit Awards, premiação do cinema independente

Cerimônia antecipa alguns dos favoritos para o Oscar. Cinco...

para lembrar

História da Arte ‘Africarte’

A arte africana representa os usos e costumes das...

Ludmilla anuncia participação em Velozes e Furiosos 10: “Atriz de Hollywood”

A cantora Ludmilla anunciou nesta segunda-feira (24) em suas redes sociais...
spot_imgspot_img
-+=