Respeito

São Roque é celebrado em 16 de agosto, porque foi nesta data que morreu, em 1327, o jovem generoso e capaz de curar doentes com o toque das mãos, mais tarde santificado. Em cultos afro-brasileiros, São Roque é associado a Omolu (ou Obaluaê), orixá das doenças e da cura.

A divindade é celebrada nos terreiros numa festa chamada Olubajé, que se realiza no mesmo agosto consagrado a Roque. Pipocas são as flores de Obaluaê, usadas num banho ritualístico para proteção e desejo de saúde dos adeptos e simpatizantes das religiões de matriz africana. Para os filhos de umbanda e candomblé, este mês é tempo de silêncio, devoção, contrição.

Por isso, é tão revoltante quanto desolador testemunhar o recrudescimento da intolerância contra religiões afro-ameríndias como estratégia político-eleitoral. E num mês sagrado. Apontamos o racismo religioso, porque os ataques, as provocações e a demonização das divindades e ritos partem de fundamentalistas evangélicos contra tradições que ancestrais africanos escravizados legaram aos seus descendentes.

Orixás não são demônios. Essa figura, aliás, sequer existe nos cultos afros. Banho de pipoca não é ritual maligno. Causa indignação, perplexidade e tristeza ver gente que, em nome de Deus e por oportunismo político, ataca, persegue e mente sobre a fé alheia. Isso autoriza e alimenta a violência.

As religiões de matriz africana são perseguidas desde que o Brasil é Brasil. Estão no topo das denúncias encaminhadas ao Disque 100. A Constituição garante a liberdade de culto a todas as brasileiras, a todos os brasileiros, sejam católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, candomblecistas, judeus, budistas, muçulmanos…

O Brasil tem agendas urgentes na corrida eleitoral de 2022: fome, desemprego, inflação, queda de renda, perda de valor do salário mínimo, falta de vacinas e medicamentos, atraso na aprendizagem no pós-pandemia, desmatamento da Amazônia, escassez de moradia, ameaça à democracia, autoritarismo galopante, violência urbana. O que não temos – nem podemos ter – é guerra santa. Exigimos respeito. À nossa fé. Ao Brasil.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

+ sobre o tema

Justiça libera venda e Clippers passa a ter novo dono

A NBA confirmou a compra da franquia pelo empresário...

EUA: republicanos são expulsos por racismo

Dois participantes da convenção do partido teriam jogado amendoins...

Tom & Jerry com aviso de racismo

por RSF Os desenhos animados clássicos Tom & Jerry estão...

Pinheirinho: 13 policiais da Rota são indiciados por estupro e tortura

Policias são acusados de cometerem os crimes durante a...

para lembrar

Casos de racismo têm alta de 736% no estado de São Paulo

O total de processos de racismo - casos de...

Precisamos falar sobre violência

Lá venho eu de novo escrever sobre violência, acho...

Coisas da Condição Humana e o tempo (final)

por Sérgio Martins Tratava no meu último artigo sobre nossas...
spot_imgspot_img

Identitarismo, feminismos negros e política global

Já faz algum tempo que o identitarismo não sabe o que é baixa temporada; sempre que cutucado, mostra fôlego para elevar o debate aos trending topics da política...

Gilberto Gil, o filho do tempo

Michel Nascimento, meu amigo-irmão que esteve em Salvador neste ano pela milésima vez, na véspera da minha viagem, me disse que uma das coisas...

Em discurso covarde e dissimulado, Conmebol lava as mãos sobre racismo

Eu não posso deixar de falar do racismo. Foi com essas palavras que Alejandro Domínguez, o presidente da Conmebol, começou a discursar sobre o...
-+=