Como já vi outras vezes no seu blog, hoje quero falar sobre racismo e trazer um fato que aconteceu comigo recentemente, mas que já nasceu com cheiro de velho.
Eu vou me casar no meio do ano e estou preocupada com minha produção de noiva no esperado dia. Em fevereiro, fui até a banca de jornais e comprei uma revista de “Penteados para Noivas”, da Editora Alto Astral. Tudo certo até aí, exceto pelo fato de eu ter me esquecido, momentaneamente, de uma coisa fundamental: eu sou negra e tenho o cabelo crespo.
Só que eu não contava com uma coisa: eu havia esquecido, por um instante, que essas publicações não são pra mim. É muito raro ver negras nas revistas femininas, e raríssimo ver cabelos crespos em publicações e editoriais de moda. Eu não sou representada por eles.
Não, eu não estou neurótica. Eu estou ofendida e, sinceramente, tenho razão.
Com este sentimento de revolta, raiva, tristeza, mandei uma reclamação (contando exatamente o que vi na revista e descrevi aqui) para o e-mail e o perfil da editora no Facebook. Uma semana depois, chegou na minha caixa esta resposta:
‘Como a leitora não especificou a edição da revista, presumimos que seja a 06, que lançou em janeiro.
Analisamos nosso conteúdo e não encontramos nada de errado. Pelo o que entendemos, o questionamento da leitora referiu-se à cor de pele das modelos e não aos penteados em si, que é o tema da revista.
A nossa equipe, desde o momento de elaborar a revista até a escolha as fotos, certifica-se de que todos os tipos e estilos de cabelo estejam na edição, desde os lisos aos crespos, independente da cor da pele das modelos.
Em relação às loiras e às ruivas, esses tons acabam aparecendo mais na revista para deixar o resultado final do penteado mais evidente para a leitora, uma vez que o cabelo escuro, depois que tira a foto, acaba perdendo um pouco os detalhes do penteado, ficando difícil a visualização.
Além disso, os bancos de imagens que trabalhamos não oferecem muitas opções de modelos negras, principalmente com penteados de noivas. As que eles oferecem, não são bonitas.’
Atenciosamente, …”
Foi exatamente esta a resposta da empresa. Sem mais nem menos, do jeito que chegou à minha caixa. NÃO SÃO BONITAS. NÃO ENCONTRAMOS NADA DE ERRADO. Eu fiquei tão chocada e tão enojada que perdi a fome. Sinceramente, uma resposta padrão mentirosa, daquelas em que a empresa promete que levará a reclamação em consideração para as próximas edições, seria mais fácil de engolir. Mas esta não foi. Sabe por quê?
É que esta mensagem é uma das declarações mais evidentes do racismo no Brasil. Eu até consigo visualizar… ela foi escrita por uma pessoa que nem sequer entendeu minha reclamação, que deve ter até pensado que eu estava exagerando e não conseguiu ver a menor relação entre a cor da pele das modelos (“o que não é o foco da revista”) e o problema da representação de uma parcela significativa da sociedade brasileira. Essa pessoa não vê nenhuma estranheza em colocar somente modelos loiras e ruivas numa revista sobre cabelos e, pra completar, não coloca negras e outras mulheres de cabelo crespo por achar que “não há mercado para elas” e que elas “não são bonitas” — já que o negro corresponde ao pobre no nosso país. Como se pode esperar que eles vejam algo de errado numa publicação que foi criada e desenvolvida sobre esta crença tão arraigada? E o que mais dói e choca é a incapacidade de se perceber onde está o erro.
É preciso ter clareza de que isso não é só burrice, não é só superficialidade, não é só preconceito bobo e nem é só um sinal de que a moda está ultrapassada. Antes de ser fútil ou superficial, a moda é um instrumento eficaz de produção e reprodução de relações sociais, porque ela lida com um elemento muito forte do pensamento e das relações humanas: a estética, o belo.
Quando um editorial de moda diz que a mulher negra não é bonita, que um cabelo crespo não é “fácil” ou esteticamente aceitável, este editorial está reproduzindo para o mundo um discurso que vai se fortalecendo e cimentando e se tornando combustível para que o racismo permaneça naturalizado na nossa sociedade.
Enquanto isso, a revista francesa Numéro decidiu fazer uma homenagem à África… e, para tanto, escureceu uma modelo branca e loira. Definitivamente, a mídia tem que parar de ser racista e abrir espaço para todos os tipos de beleza. Que são muitos.
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Fonte: Escreva Lola Escreva