Richarlls Martins, do CJAA, fala sobre importância da participação de jovens afrodescendentes nas intervenções políticas

A 2ª Conferência Nacional da Juventude realizada no Pavilhão do Parque, em Brasília, de 9 a 12 dezembro de 2011 contou com a presença de jovens negros e negras que fazem parte de uma rede articulada que interage a partir dos Espaços de Diálogos Estratégicos da Juventude Negra. A primeira edição do encontro aconteceu em novembro, em Salvador (BA), durante o AFRO XXI, e o segundo ocorreu nesta edição da Conjuve. Em entrevista ao UNFPA, Martins falou sobre os principais desafios enfrentados por jovens afrodescendentes no pais, tais como a violencia, e de que forma a juventude pode estar mais presente nos espacos de tomada de decisão.

Confira a entrevista com Richarlls Martins:

UNFPA – Fale um pouco sobre a constituição do Círculo de Juventude Negra Afrodescendente das Américas (CJAA), os objetivos e ações estratégicas para 2012?

O Círculo de Juventude Negra Afrodescendente das Américas surge a partir do Colóquio Internacional Desafios e Objetivos da Juventude Afrodescendente das Américas que se realizou no Rio de Janeiro, em 2009, com a perspectiva de juntar minimamente as demandas da juventude afrodescendente das Américas, no processo de revisão da 3ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, mais conhecida como a Conferência de Durban. E foi constituído como produto do colóquio, frente à necessidade de uma plataforma exclusiva das organizações da sociedade civil de juventude das Américas. Então, nós temos presentes, organizações de juventude de todas as Américas, do Norte, Central e do Sul, com a perspectiva de produzir referências que incidam nas pautas das políticas públicas dos países, organismos das Nações Unidas e outras organizações internacionais. Essa é a grande missão do Círculo, garantir que as demandas da juventude negra possam ser apresentadas nos espaços das formulações das políticas públicas públicas em geral e políticas de juventude, em especial.

Já o principal desafio para 2012… O Círculo está passando por um processo de reformulação muito interessante, no qual a gente esta debatendo politicamente, junto às organizações que o compõe, como efetivar os nossos grandes desafios para o próximo ano, que versam exclusivamente sobre o dialogo interdirecional. Nesse sentido, no nosso processo, desde a Cumbre Mundial de Juventude Afrodescendente que se realizou em São José, em Costa Rica, no inicio de outubro, tem sido até agora um processo de avaliação e de reformulação das comissões, do processo de secretaria geral internamente para que em 2012 a gente possa inserir de forma mais diretiva, nessa perspectiva do diálogo interdirecional.

UNFPA – Quais são os principais problemas e desafios enfrentados pela juventude negra brasileira atual?

A juventude negra no Brasil e América Latina necessita de políticas publicas que garantam a manutenção da vida segura. Ainda hoje, com todos os avanços que temos no campo das políticas publicas, a juventude negra é a maior vitima da violação dos direitos humanos, direito de igualdade de oportunidades, direito à dignidade, o direito à vida. Nós somos o menor contingente nas universidades, somos a maioria no sistema carcerário, temos restrições de acesso aos serviços de saúde e somos vítimas da baixa qualidade da atenção, e isso se relaciona a juventude de modo geral, contudo, quando se faz o recorte da juventude negra, essas deficiências são muito maiores. E, além disso, a gente tem que lidar com o que nós, militantes do campo de juventude, chamamos de uma violência programada. Então podemos dizer que o nosso maior desafio hoje é a garantia de existirmos; de nos constituir enquanto seres humanos, enquanto sujeitos políticos, capazes de defender e reivindicar nossos direitos.

UNFPA – Como promover uma maior participação destes e destas jovens nas intervenções políticas e espaços de tomada de decisão?

No campo da inserção política, é fundamental garantir espaços de diálogo, espaços em que o mosaico que é a juventude negra no Brasil, possa dialogar sobre as suas necessidades, demandas, diferenças, múltiplas realidades. Nós temos conseguido. A experiência dos diálogos estratégicos da juventude negra, atividade realizada com apoio do UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial e da Secretaria Nacional da Juventude, simultâneo ao AFROXXI, em Salvador, foi uma possibilidade de colocar estes diferentes atores e estas diferentes atrizes na discussão sobre as suas demandas. Eu estou convencido de que espaços como esse são fundamentais porque conseguem minimizar um problema que a juventude negra tem apresentado nos últimos anos: nós estamos institucionalizados, estamos em diversas organizações, mas às vezes não conseguimos reunir diferentes perspectivas de movimento para discutir pontos de ação comum, independente de quais são as bandeiras. Enquanto no mundo que recrudescem as novas formas de racismo, e o movimento negro como um todo,questiona a necessidade de se reinventar, a juventude negra criou estratégias: o CJAA, a Rede de Jovens Indígenas e Afrodescendentes – Rejina, o Fórum Nacional de Juventude Negra, enfim, temos alguns espaços institucionais muito interessantes, mas sabemos que a institucionalização não garante que esse mosaico se forme e consiga dialogar. Então às vezes quando você não está institucionalizado, a sua voz não consegue ser ouvida. Acreditamos que essas múltiplas juventudes negras, que estiveram presentes no Encontro Iberoamericano em celebração ao Ano dos e das AFrodescendentes, na Conferência Nacional de Juventude e que vão estar presente na RIO+20, poderão dialogar, estrategicamente, sobre as suas demandas e expectativas e suas relações com as demandas do movimento negro, de juventude, etc. Espaços como estes nos propiciam formular e implementar práticas em comum.

UNFPA – E quando a pessoa, o/a jovem negro/a não é institucionalizado. Qual o melhor caminho para participar dos diálogos?

Esse para nós é um grande desafio, que inclusive, é um desafio conceitual. Umas pessoas do movimento negro e do movimento de juventude entendem que não existe uma maneira de fazer política que não seja você estando numa organização, numa instituição. Já outras pessoas entendem e defendem que existem formas legitimas de se fazer política que não se relaciona com a instituição. A compreensão que eu tenho é de que existem várias formas de ser ativista. A juventude como um todo, é um exemplo muito emblemático, de que se faz política de várias formas, e não apenas da forma institucionalizada, tradicional. Então o que eu defendo é que devemos pensar, de forma estratégica, quais são os espaços que a gente deve ocupar. A gente precisa responder esse desafio, porque eu acho que esse é também o reflexo da articulação da juventude negra na 2ª conjuve e nos últimos anos. Precisamos conhecer a realidade da juventude negra do amazonas, do Pará, do Rio de Janeiro, da Bahia, e quando a agente consegue fazer um encontro em um espaço autogestionado como este que a única bandeira presente é a bandeira da garantia dos direitos das juventudes negra no Brasil. Então a gente coloca pessoas que são de organizações distintas, inclusive tem plataformas distintas, todo mundo assina essa convocatória que chama esse diálogo, o que talvez seja a riqueza desse espaço, que é muito plural e como a gente não tem essa institucionalidade no espaço, a gente consegue abarcar essas diferentes organizações, esses diferentes jovens, na construção de uma ação estratégica que garanta os direitos da juventude negra brasileira nesses grandes espaços de visibilidade das pautas da juventude, das pautas do movimento negro e das pautas que se relacionam direto com a execução das políticas públicas no nosso país.

UNFPA – De que forma a segunda edição do Diálogo Estratégico da Juventude Negra contribuiu nas proposições e encaminhamentos de jovens negros e negras na 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas para a Juventude?

Há uma compreensão de que o diálogo estratégico da juventude negra brasileira é um espaço autogestionado e que deve se realizar em todas as atividades que tenham como foco a temática de juventude e a temática racial e grandes eventos que incidam sobre a questão das políticas públicas que ocorram no Brasil. Por que? A gente entende que nossas demandas de políticas públicas são demandas para a juventude brasileira.como um todo. Estivemos em todos os grupos de trabalho, somos delegados e delegadas. Porque a gente pode ter uma concepção equivocada de que toda a juventude negra deva estar apenas no grupo de trabalho de relações étnicas e raciais. Discutimos saúde, educação, segurança pública, direitos humanos. Entendemos que deveríamos dar nossa contribuição de forma qualificada, articulada com as múltiplas realidades.

UNFPA – Como construir uma agenda conjunta entre as organizações juvenis, sociedade civil em geral e as instituições de governo para o enfrentamento à violência que se dá com viés racial, de gênero e geração?

Temos a compreensão de que reunir atores e atrizes diferentes no combate ao racismo e ao sexismo é um desafio para todo mundo que se propõe a ser um defensor dos direitos humanos. Essa é uma bandeira muito difícil. Às vezes as agendas de governo entram em conflito são totalmente no que diz respeito ao combate as desigualdades de raça e gênero. Se até nós ativistas acabamos reproduzindo em nossos espaços práticas machistas, homofóbicas, sexistas. Então a gente tem muito essa dificuldade ainda em incorporar e entender que enquanto demandas da juventude negra no Brasil, enquanto essas demandas das jovens mulheres negras, não forem incorporadas na sua plenitude, às demandas da juventude afrodescendente no Brasil, nós não teremos avanço. Porque os avanços das demandas da juventude negra no Brasil passam necessariamente pelos avanços das jovens mulheres negras brasileiras. Enquanto isso não ficar latente nas nossas discussões, no nosso planejamento estratégico, nas nossas articulações e criação de rede, nós não teremos avanços.

Fonte: Rede de Saúde

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