Aplicar uma pomada modeladora para trançar os cabelos ou fazer baby hair e, em seguida, entrar na piscina ou mergulhar no mar. Essa combinação é a causa de diversos casos de irritação ocular intensa, ocasionada pelos resíduos do produto ao entrar em contato com os olhos.
Nos últimos meses, muitas pessoas relataram em redes sociais a sensação de ardência, queimação, inchaço e visão embaçada provocadas assim que o produto escorre dos fios e atinge os olhos.
Com maior incidência no verão, por conta das atividades aquáticas, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu um alerta, em dezembro de 2022, sobre o risco de cegueira temporária e outros efeitos graves possivelmente associados a produtos para cabelos.
Em nota, a agência explica que isso pode acontecer “dada a presença de substâncias químicas comprovadamente irritantes aos olhos nesses ambientes”. Além disso, dá recomendações para o uso seguro dos produtos, como adquirir apenas pomadas regularizadas pelo órgão e atentar-se ao período de validade.
O comunicado diz ainda que os consumidores devem evitar tomar banhos de piscina e mar após utilizar os produtos citados e, ao lavar os cabelos, proteger de forma cuidadosa os olhos.
O que acontece quando componentes químicos atingem a área dos olhos?
A oftalmologista Liana Tito explica que a irritação é causada por pequenas lesões na córnea. “Quando os componentes químicos entram em contato com os olhos, provocam ceratite, que são machucados menores, ou abrasão, que são machucados maiores, na camada superficial da córnea”, diz.
Segundo Liana, essas lesões são potencialmente graves quando não tratadas da forma adequada. “Esses machucados podem ser porta de entrada para microrganismos, como bactérias. Nesse caso, podem causar uma situação mais grave que seria uma úlcera de córnea”, afirma.
Portanto, a orientação é buscar a emergência oftalmológica com urgência em caso de irritação. Vale também lavar abundantemente os olhos, com água corrente, como primeira medida.
Por quais motivos a irritação é causada?
De acordo com Josi Helena, estetacosmetóloga, terapeuta capilar e criadora do perfil @negravaidosa, as pomadas modeladoras existem e são usadas há muito tempo. “Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas costumam usar muitos cosméticos para finalizar o cabelo. Entre eles, a pomada modeladora. Porém, no Brasil, a prática de usar a pomada para trançar os fios é algo mais recente”, conta.
Segundo ela, as estadunidenses têm o costume de utilizar a pomada para fazer os chamados “penteados clássicos”. Nesses casos, o produto é utilizado apenas por uma noite ou durante o tempo do evento e depois o cabelo é lavado.
“Assim, ela é usada de forma pontual e não fica no cabelo por muito tempo. Ao utilizá-la para finalizar a trança, como é feito no Brasil, o produto fica por dias nos fios e está suscetível a diversas exposições, como suor, chuva e até banhos de mar e piscina. Isso pode contribuir para que os componentes químicos escorram pelo rosto e provoquem irritações nos olhos”, explica.
Josi destaca ainda que no rótulo da maioria das pomadas modeladoras há o alerta de que não é indicado o contato do cosmético com o globo ocular. Para ela, o ideal é evitar a aplicação desse tipo de produto quando se sabe que a pessoa passará por algum ambiente com umidade.
Além disso, a adequação do mercado de cosméticos do país para as demandas das pessoas negras é muito recente, afirma Josi. “Quando foi percebida a demanda de fixação e modelagem para os cabelos crespos, especialmente para moldar as tranças, foi feita uma adaptação com esses produtos que já existiam, mas eram utilizados com outra finalidade”, esclarece.
“Se houvesse uma pesquisa e empenho para fazer de fato um produto direcionado para esse público, várias matérias-primas desses cosméticos seriam alteradas para serem mais toleradas quando entrassem em contato com a área dos olhos”, continua.
Os órgãos de vigilância sanitária ainda não divulgaram quais são os ativos que estão provocando as reações oculares. Porém, existem dois componentes comumente utilizados em pomadas modeladoras que podem estar causando a irritabilidade, segundo a cosmetóloga.
O methylisothiazolinone e o methylchloroisothiazolinone são conservantes que atuam com a finalidade de inibir o crescimento de microrganismos durante a fabricação e estocagem ou proteger os produtos da contaminação inadvertida durante o uso.
Inicialmente, eram liberados para compor itens como géis, gelatinas, cremes e outros tipos de leave-in. Porém, de acordo com a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº528, divulgada pela Anvisa em 21 de agosto de 2021, a inserção desses ativos passou a ser proibida em produtos sem enxágue.
“É importante ressaltar que são moléculas seguras e liberadas, mas que devem compor apenas produtos com enxágue, como shampoos e condicionadores”, destaca Josi.
Seguindo as orientações da RDC, foi estipulado um prazo de 36 meses, a partir da publicação com as alterações, para adequação dos cosméticos à nova regra. Por isso, ainda é permitida a comercialização de produtos sem enxágue que possuem esses componentes na formulação.
Assim, em caso de uso de qualquer pomada modeladora, a principal orientação é evitar que ela entre em contato com a área dos olhos. Retirar o excesso, protegendo o rosto, antes de dar um mergulho e evitar que o cabelo entre em contato com a chuva é essencial. “Vale até fazer a higienização dos fios no salão de beleza, já que a probabilidade do produto escorrer pelo rosto é menor”, finaliza Josi.