Axé. Nem morenas, nem mulatas, nem mulheres de cor, elas são negras e gostam de seus cabelos crespos, tranças, turbantes e lenços. Mulheres do movimento negro de Santa Catarina se reuniram em Florianópolis para reafirmar a riqueza da sua arte e cultura e mobilizar para a marcha das Mulheres Negras até Brasília, em 20 de novembro, dia do maior ícone da negritude, Zumbi dos Palmares.
Texto e fotos: Paula Guimarães, no Enredo Conteúdo Criativo enviado via Guest Post para o Portal Geledés
Visibilidade foi a palavra de ordem no encontro “Catarina Marcha” que homenageou aquelas dedicadas à luta contra a discriminação que tem gênero, cor e classe social, em alusão ao Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha, comemorado em 25 de julho. “Seria melhor que não precisássemos de ‘dias’ destinados às minorias e que todos fossem tratados com equidade”, assinalou Vera Lúcia Fermiano, da Articulação das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB).
“Buscamos superar estereótipos, acabar com a violência nas ruas, na Internet e socializar a nossa cultura. É preciso dar visibilidade à mulher negra nesse estado branco, que ressalta o papel do branco”, explicou Estela Cardoso da União de Negros Pela Igualdade (Unegro/SC).
A mãe de santo Adriana Leke foi convidada para integrar a mesa de autoridades e falou da importância das casas de candomblé como sinais de resistência da cultura afro. Ela explicou que o terreiro carrega toda a ressignificação da África, lá estão os hábitos e costumes do continente, como comida, roupas, língua, dança e crença. “Axé é tudo que vem do legado da África. Todas as mulheres têm que participar dessa marcha. Parimos, temos sensibilidade, temos responsabilidade por conta da nossa ancestralidade”, afirma.
Os olhos marejados das mais jovens indicavam o respeito e a admiração pelas guerreiras anônimas homenageadas, elas que criaram seus filhos e, entre um trabalho e outro, ainda estudavam. Com um chamado para a marcha, a carta da mãe de santo Beatriz Moreira da Costa, lida durante o encontro, silenciou o público com críticas, em especial à redução da maioridade penal. “A cor da nossa pele, nossa religiosidade, são motivos para eles saciarem sua conduta vil e perversa. Nesse momento digo: não vamos nos calar, nem ter medo. A marcha das mulheres negras é toda a nossa entrega de poder, querer e ter livre arbítrio”, disse na carta.
O momento é de aglutinação para a marcha que irá cobrar dos governos e dos legisladores a garantia de políticas públicas efetivas no combate ao racismo. “Mais do que encher ônibus para a marcha, precisamos encher a casa dessas mulheres de perspectivas e futuro para a juventude e de trabalho para homens e mulheres. Por trás disso, tem toda a família negra. Além de sermos quase a maior parte da população brasileira, somos a mãe da outra maioria. Não dá para ficar à parte. O protagonismo dessa luta tem uma cara e essa cara é preta”, bradou Vera, que também é presidenta da Casa da Mulher Catarina.
Os recortes de gênero e cor
O machismo sobre essas mulheres tem um impacto maior do que nas demais, principalmente na mercantilização de suas vidas e corpos. Segundo dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres brancas recebem 74% do rendimento médio dos homens – mesmo quando possuem um nível de instrução mais elevado – já as mulheres negras atingem apenas 41%. “Mulheres, não se envergonhem de serem cotistas. Não queríamos cotas, mas são necessárias na falta de políticas para sanar esse abismo social. Porém, não queremos cotas para o resto da vida”, destacou Vera.
Santa Catarina e o racismo
Antonieta de Barros e Cruz e Sousa, ícones respectivamente da política e da poesia, sobressaíram-se num estado de “brancos”. Com o menor índice de população negra do país, em torno de 15%, Santa Catarina intitula-se a Europa brasileira. Mesmo assim, está entre os três estados com as maiores taxas de presos negros sobre a população, segundo o “Mapa do Encarceramento: os Jovens do Brasil”, divulgado em junho pela Secretaria Geral da Presidência da República. Os negros são também a maior parte das vítimas de assassinatos, dos moradores das favelas e não têm nenhuma representatividade nos parlamentos estadual e federal: Santa Catarina foi o único estado que não elegeu negros. “A pujança e riqueza só passa pelos olhos azuis. Vendem uma visão da Europa, de primeiro mundo: um mundo imaginário”, critica a representante da AMNB.
Holocausto de jovens negros
No país com a maior população negra depois da África, o mito da democracia racial se esvai ao olhar para o lado: eles continuam a ocupar espaços subalternos no mercado de trabalho, não estão representados na mídia, são dizimados pelas polícias e formam a maior população carcerária do país, em torno de 80%. “O racismo continua permitindo que isso siga na mesma linha há anos. Até quando? Não mudou de nome, é racismo. E teimam em dizer que não. Estamos muito aquém do que deveria ser algo equilibrado dentro de uma sociedade. Vivemos o holocausto da juventude negra. Vamos marchar para chamar a atenção dos governos para as mortes desses jovens, que estão sendo apanhados como tainha em rede. Somos contra o racismo e pela vida”, afirma Vera.