por Sérgio Martins
A experiência de Estado democrático no Brasil tem passado por contínuos testes em seu grau de comprometimento, em áreas muito sensíveis à sociedade brasileira. Herdeiros de uma instabilidade constitucional marcada por momentos históricos de liberdades plenas e outros de restrições de direitos fundamentais, contemplamos o desafio do Supremo Tribunal Federal em fazer valer a melhor tradição dos princípios republicanos e a proteção dos direitos humanos.
A tensão legítima entre os diversos atores sociais se encontra no próprio exercício da democracia, pela via dos espaços constituídos, sem proporcionar rupturas, mas denunciando, com certeza, o anacronismo em que se encontra o parlamento brasileiro. O que faz surgir um Judiciário heróico, vigoroso, em especial nas cortes superiores.
Assim, manifestou-se o STF no julgamento favorável das ações constitucionais referente à união homoafetiva. No voto do ilustre relator Ayres Britto imprime-se uma plasticidade que transcende a interpretação formal do direito, tão comum em nossos tribunais, dando lugar uma nova escola de interpretação e aplicação das normas jurídicas, em que busca-se alcançar justiça possível e razoável a partir da concretização da vontade das normas constitucionais. O Ministro relator afirmar que “o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica ” Deixando ainda bem nítido que tratamentos discriminatórios passam “a colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos” .
No mesmo caso encontra-se o voto do Ministro Luiz Fux que alerta no sentido de que, as mudanças sociais não ocorrem por decisões judiciais, “canetas de magistrados não são capazes de extinguir o preconceito”, mas faz lembrar também, que o dever do Estado é ser intransigente com a discriminação e na garantia de direitos. Celso Mello, um dos ministros mais antigos da Corte, destaca que aquela decisão “torna efetivo o princípio da igualdade, que assegura respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, que confere primazia à dignidade da pessoa humana”
Mas o antigo ultrapassado, ainda resiste, de forma grotesca, quebrando as regras, sob os olhos de todos, e ainda sendo tratado de forma pouco rigorosa. Este foi o comportamento do Juiz da 1º Vara de Fazenda Pública de Goiâina, que sob seu julgamento próprio, de cunho religiosos e jurídico, se insurgiu contra a decisão do STF e determinou ” que os cartórios se abstivessem de celebrar quaisquer contrato de união estável de pessoas de mesmo sexo”.
Sob alegação da existência de uma ordem natural e uma comunidade política material,o juiz local, afirma que os chamado terceiro sexo é apenas uma ficção jurídica contrariando a idéia de pré-requisito para constituição de núcleo familiar, tendo como base o homem e a mulher. Já faz tempos, que o Desembargador/RS Rui Portanova nos falava nas ” premissas ocultas imperceptíveis ” do julgador. Portanto, uma das garantias da seriedade do julgamento está na presunção da neutralidade do julgador, ou seja, que seu juízo de decidir não penda para qualquer lado, antes da apreciação da causa com profundidade. Tendo como base as normas diretas relacionadas ao caso com fundamento exclusivo na vontade constitucional.
Suscitamos o princípio da suspeição, para arguir algumas questões, sem as quais não poderemos sossegar nossas inquietações. Qual a garantia que a sociedade tem na idoneidade de um julgador que se permite expressar seu juízo particular nas suas decisões. Uma das regras intocáveis da magistratura é que o julgador por dever legal afasta-se de premissas particulares para ser capaz de imprimir em suas decisões um juízo extraído da dialética entres fatos e normas, tendo como último parâmetro a interpretação das normas fixada pelo STF, último guardião da Constituição.
Indagamos através de uma reflexão crítica e processual de que forma este juiz suspeito, se comportará diante de casos conflitantes, onde se discutam os problemas da poluição sonora dos cultos evangélico, a veiculação de acusações levianas sobre os cultos afro-brasileiras, ou ainda, os casos que irão surgir sobre disputas de heranças entre um companheiro gays e os familiares do “de cujus”. Há uma centenas de casos que poderíamos suscitar a suspeição deste juiz, o que é recomendável, às partes interessadas. Porém, caberia, ao próprio Poder Judiciário afastar o dito magistrado por conduta incompatível com a função pública. Pois sabemos que o sapo sábio não nada da lagoa de jacaré, mas, se nadar e não for comido, tem algo errado.