Saúde e mulher negra: Quando a cor da pele determina o atendimento

Segundo dados oficiais da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) do estado de São Paulo, a taxa de morte materna nos anos de 2002 a 2004 foi de quase 2200 mulheres entre 25 e 39 anos. Nesse total, mulheres negras morreram quatro vezes mais se comparado à morte de mulheres brancas. Ou seja, mais de 1700 negras morreram em consequência de causas maternas no estado de São Paulo nesse período.

Por Natalha Roberto, do  ESQUERDA DIÁRIO

Essa grande disparidade na taxa de morte de mulheres negras se deve, sobretudo, pelo papel que elas têm nessa sociedade capitalista de tradição escravocrata. Sabemos que grande parte da população negra se encontra nos trabalhos precários, vivem em condições de párias sociais sem acesso a educação, saúde e moradia de qualidade. No caso das mulheres negras, a combinação do racismo com o machismo as colocam num estado superior de vulnerabilidade social e na prática faz com que sejam as maiores vítimas da violência institucional perpetrada pelo Estado.

O racismo institucional e o atendimento à saúde

Na área da saúde alguns estudos são levantados para discutirmos as desigualdades no atendimento, sejam elas de raiz econômica, étnica e de gênero. O chamado racismo institucional se caracteriza por práticas, atitudes e comportamentos que perfazem em discriminação étnica no interior de uma entidade ou organização, apesar de não aparecer abertamente, em virtude das leis que caracterizam o racismo enquanto crime.

No caso dos serviços de saúde, se assinala pela desigualdade no atendimento devido à cor do usuário, que se manifesta através de negligência no atendimento, insultos ou a dificultação no fornecimento do serviço. Além disso, profissionais da saúde negros também sofrem discriminação no interior das unidades de saúde, sobretudo por ser uma área majoritariamente de pessoas brancas.

Essa prática institucional que se materializa com o tratamento desigual dado a usuários negros muitas vezes acaba em morte, que por sua vez, poderiam ser evitadas, caso houvesse o atendimento e o cuidado necessário. A precariedade do nosso sistema de saúde junto à falta de formação em questões étnico-culturais dos profissionais de saúde, infelizmente, são responsáveis pela morte de milhares de usuários negros a cada ano.

Maternidade negra e violência obstétrica

O estereótipo racista que coloca a mulher negra como “forte” e “mais resistente à dor” carrega enormes implicações no atendimento e cuidado a mulheres negras. Como em toda gravidez, as mulheres precisam ser acompanhadas durante todo o período gestacional com um pré-natal de qualidade. Entretanto, muitas vezes esse fator é negligenciado quando se trata de gestantes negras, justamente por se pensar que são “mais fortes” e “não adoecem”. Com isso, a maioria dos médicos sequer examina atentamente de acordo com as queixas da gestante, fazendo com que doenças, que poderiam ser diagnosticadas previamente, se transformem em mais uma estatística de causas de mortes maternas, que poderiam ser evitadas.

As Causas de morte materna ocorrem no período gravídico-puerperal (gestação, parto e pós-parto) devido à negligência na atenção pré-natal, intervenções desnecessárias (cesáreas, uso de farmacológicos e etc.), omissão ao atendimento e tratamentos incorretos. Assim como, em decorrência de doenças adquiridas na gestação ou pré-existentes, mas que se agravam pelas mudanças fisiológicas da gravidez, como a hipertensão arterial, por exemplo. Ou seja, mulheres que morreram pelo simples fato de estarem grávidas ou logo após o parto.

Além do fato que no Brasil o índice de cesáreas é absurdamente superior ao recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), sendo esse um fator determinante no aumento de mortes por causas maternas. E, quando utilizado de forma compulsória e sem necessidade colocam milhares de parturientes em risco, devido à possibilidade de adquirirem infecções hospitalares que podem ser fatais.

Já quando se trata de parto normal é comum vermos relatos de mulheres que são reprimidas ao gritarem pelas dores das contrações. Ainda há aquelas que são insultadas com xingamentos machistas de toda ordem, como “na hora de fazer não gritou”, “pensasse antes de abrir as pernas” e etc. Com mulheres negras os insultos são mais frequentes devido a esteriotipação racista que as coloca num papel hiperssexualidado. Além do uso invasivo de episiotomia (corte entre a vagina e o ânus) e o total desrespeito a autonomia das mulheres. Com isso, um acontecimento que era pra ser sublime acaba se tornando traumático, acarretando em dificuldades no pós-parto, inclusive na amamentação.

Infelizmente, a violência obstétrica é uma realidade generalizada nos hospitais brasileiros e atinge mulheres de distintas etnias e classes sociais. Entretanto, numa sociedade capitalista de tradição escravocrata, ela se manifesta de forma mortal em mulheres negras e pobres. Por isso, é preciso colocar o movimento pela humanização do parto ligado ao questionamento de nossa sociedade dividida em classes sociais, machista, racista e lgbttfóbica. Pois enquanto a maioria das mulheres não tiver o direito de escolha e condições dignas de maternidade, não conseguiremos abolir de fato a violência obstétrica. Para isso é necessário que os profissionais e trabalhadores da saúde junto à população lutem por um SUS de qualidade, gratuito, anti-racista, anti-machista e anti-lgbttfóbico.

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