Sem espaço para crítica

Comando da PM acredita que ex-policiais podem falar de segurança, desde que elogiem chefes

por João Trajano Sento-Sé / Ignacio Cano no O Globo

Entre as múltiplas notícias do tumultuado cenário da segurança pública fluminense, tem passado quase despercebida a informação de que o comando da Polícia Militar abriu vários Inquéritos Policiais Militares contra os coronéis da reserva Ibis Pereira e Robson da Silva. O motivo da ação contra os ex-oficiais, hoje dedicados à pesquisa acadêmica e colegas nossos, é o fato de terem dado declarações não autorizadas à imprensa sobre a segurança pública do estado. Atualmente, abundam nos meios de comunicação especialistas em segurança, boa parte dos quais são antigos oficiais ou delegados. A maioria apresenta visões relativamente conservadoras e, por isso, costuma se pronunciar publicamente sem ser molestada pelo comando da PM.

Portanto, a questão não é a falta de autorização, mas a visão crítica dos coronéis mencionados. Ou seja, o comando acredita que ex-policiais podem falar de segurança, desde que elogiem os chefes das corporações ou transmitam a visão que eles querem difundir. Discrepar ou propor outras ideias, nem pensar.

Lançando mão de uma legislação pré e anticonstitucional, pretende-se inibir a liberdade de expressão de indivíduos que nem mais pertencem à corporação, ou seja, tenta-se lhes tirar esse direito pelo resto da vida. Espera-se do Ministério Público e da Justiça Militar que acabem logo com essa tentativa estapafúrdia de atentar contra direitos individuais básicos e de intimidar ex-integrantes das instituições de segurança. Contudo, o verdadeiro destinatário dessa ação não é externo, mas interno. O comando da PM parece querer uma polícia submissa, acrítica, que não pense muito e que fale só pela boca do chefe supremo. Obviamente, os policiais são e devem ser obrigados a cumprir ordens, mas a possibilidade de expor suas posições, inclusive publicamente, não só é salutar do ponto de vista democrático, como contribui para uma segurança pública melhor. Não cabe esperar um policiamento democrático e sensível à sociedade se praticado por agentes tratados de forma arbitrária e autoritária dentro dos quartéis. Por outro lado, policiais submissos são necessários para que continuem suportando escalas excessivas e condições de trabalho precárias, sob regulamentos disciplinares inconstitucionais.

Agindo dessa forma, o comando atual da PM resgata a importância da agenda da desmilitarização da polícia, que poderia evitar, entre outros, esses absurdos autoritários. A militarização, cujas principais vítimas são os próprios policiais de baixa patente, além da própria sociedade, contribui para uma segurança menos transparente e menos democrática. Nós, da universidade, onde a liberdade de pensamento e a troca de ideias são princípios centrais, exigimos que os nossos colegas ex-oficiais desfrutem esses mesmos direitos, que devem vigorar, igualmente, para todos aqueles profissionais de polícia que se encontram na ativa. Somos gratos ao comando da PM, que, através dessa ação anacrônica, nos lembra da urgência do tema.

João Trajano Sento-Sé e Ignacio Cano são coordenadores do Laboratório de Análise da Violência da Uerj

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