Seminário promove debate sobre questões estruturais da população de rua em São Paulo, como moradia, trabalho e saúde

Organizado por Comissão Arns, Fiesp e FGV Direito SP, evento recebeu nomes como Raquel Rolnik, padre Júlio Lancellotti e Neca Setúbal, além de representantes de movimentos sociais

FONTEEnviado para o Portal Geledés
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A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns e a Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) realizaram, nesta segunda-feira (08/04), o seminário “Repense e Reconstrua”, iniciativa para debater políticas públicas e soluções voltadas para pessoas em situação de rua. O encontro aconteceu na sede da Fiesp, na Avenida Paulista, e reuniu representantes da sociedade civil, da gestão pública, da iniciativa privada e de instituições acadêmicas em três mesas temáticas: planejamento urbano e moradia; trabalho, renda e cidadania; e os desafios da saúde integral. 

Na abertura do evento, a socióloga Maria Victoria Benevides, presidente da Comissão Arns, afirmou que o principal objetivo da iniciativa é a contribuição para o debate público e o necessário acompanhamento das medidas sugeridas, prometidas e adotadas pela administração pública. “Acreditamos, desde sempre, que é de vital interesse coletivo viver em cidades mais acolhedoras e solidárias. A vida com dignidade tem que ser para todos. Isso também é democracia. Vamos em frente, repensar e reconstruir”, disse. 

Para o advogado Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP, não faltam soluções para a população de rua, mas sim esforço e compromisso por parte do poder público. “Este evento aqui, na Fiesp, serve a um propósito fundamental: dar voz a essas soluções que há muito vêm sendo lapidadas pelos convidados que estão aqui, compondo uma tentativa de aliar propostas que possam alavancar soluções para garantir emprego, saúde, dignidade e educação”, afirmou.  

O presidente da Fiesp, Josué Gomes, afirmou que a ocasião configurava uma “oportunidade ímpar para a indústria brasileira mostrar o quanto ela pode estar engajada com soluções concretas para os problemas da nossa população, soluções sem as quais nunca teremos um país desenvolvido, próspero e com justiça social como queremos.” Ele destacou, ainda, a dedicação da Fiesp, por meio do Sesi-SP, à questão da educação pública no estado de São Paulo. “Anos atrás, percebemos que era possível fazer mais – não necessariamente construindo mais prédios, mas sim dando as mãos ao ensino público. Hoje, podemos dizer que ajudamos mais de um milhão de crianças no estado de maneira gratuita.” 

Laura Dias, representante do Movimento Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas em Situação de Rua – MNLDPSR, reforça que, no caso das pessoas que vivem nas ruas, as políticas públicas só funcionam quando são aplicadas com uma lógica de complementaridade. “Tudo começa com moradia. Depois disso, o resto vem junto: assistência social, saúde, alimentação. Não adianta apenas jogar a pessoa em uma casa. É preciso ter um preparo, um acompanhamento”, disse. 

Planejamento urbano e moradia 

A primeira mesa de debate recebeu Luiz Kohara, urbanista, secretário executivo do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Segundo ele, “no ponto de vista do mercado e da estrutura econômica, a população de rua é vista como descartável. Todo o sistema ideológico da grande massa trata essas pessoas com a terminologia de desprezo: ‘noia’, ‘vagabundo’, ‘marginal’ etc. Eles são vistos como seres irrecuperáveis. Na perspectiva urbana, são indesejáveis urbanos. Qual vai ser a política pública nessa perspectiva se a gente não mudar?”, refletiu. 

Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, diretora de Planejamento da gestão Luiza Erundina (1989-1992) e relatora especial da ONU para Direito à Moradia Adequada (2008-2014), acredita na necessidade de uma revisão imediata da política urbana. “É muito importante assinalar que a nossa política habitacional, mesmo nos momentos em que ela age e está presente, é uma conversa entre a indústria da construção civil e o setor financeiro. É uma política de crédito subsidiado para a compra de casa própria, que pode ser interessante para parte da população, mas que não atende à demanda de quem precisa de moradia. Então vamos, finalmente, começar a falar de uma política habitacional que atenda os mais pobres, que não necessariamente precisam ser proprietários de sua moradia, mas precisam ter acesso à segurança e, aconteça o que acontecer nas agruras da vida, não estarão na rua.” 

Sobre o tema da moradia, também participaram da discussão Pedro Luiz da Silva, representante do Movimento Nacional de População de Rua, e José Rubens Plates, procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto em São Paulo. A mediação foi do colunista e ex-secretário de Redação da Folha de S. Paulo Vinicius Torres Freire. 

Trabalho, renda e cidadania  

Em seguida, o evento abordou o tema do trabalho, passando pelo Programa Operação Trabalho (POT), iniciativa desenvolvida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho que visa a qualificação profissional teórica e prática de grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social, mediante a concessão de uma bolsa-auxílio.  

De acordo com o padre Júlio Lancellotti, que trabalha com essa população há décadas, “a população de rua não é somente invisibilizada, mas também explorada. A sociedade conseguiu essa química: explorar o invisível. E de maneira cruel e sem contratos. Precisamos normatizar e organizar a terceirização e a quarteirização do trabalho”, defendeu. 

Cleiton Ferreira, agente de redutor de danos no centro de convivência É de Lei, articulador social e pesquisador na área de saúde mental da Unifesp, contou um pouco da sua experiência de quando ainda vivia nas ruas da cidade: “A pessoa que está aqui na frente de vocês foi, um dia, tachada como uma pessoa sem futuro, porque, na sua realidade, na sua vivência, era resumida apenas a uma substância: o crack. E hoje, com muita humildade, com muito respeito, represento homens, mulheres, crianças e jovens que estão aí à mercê do cárcere e da violência. O proibicionismo descarta vidas e mata pessoas; redução de danos salva vidas”, disse. 

Laura C. Salatino, mestre em administração pública pela Escola de Economia da FGV-SP e coordenadora da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama da Faculdade de Direito da USP, e Rodrigo Medeiros, ex-diretor do Programa Operação Trabalho (POT) da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, completaram a mesa de debate, que foi mediada por Eliane Trindade, jornalista da Folha de S. Paulo e editora do Prêmio Empreendedor Social. 

Desafios da saúde integral 

O tema da saúde de forma integral – física e mental – foi o foco da terceira mesa, que recebeu Juliana Borges, escritora e integrante da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas: “Para nós, ficou muito evidente que não tinha como fugir da discussão sobre raça e racismo para pensar em política de drogas na cidade de São Paulo e em acesso à saúde. Esse estigma social é baseado em uma categorização e hierarquização racial. Há uma fragilização intencional de políticas que poderiam garantir direitos fundamentais e, em contrapartida, uma ampliação da criminalização”, explicou. 

Com mediação da repórter especial da Folha de S. Paulo Fernanda Mena, o debate contou também com a colaboração de Fernanda Balera, coordenadora do Núcleo Especializado em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Para ela, trata-se de “um público heterogêneo, mas que tem em comum dois marcadores: pobreza extrema e falta de moradia. Não é o uso de drogas ou a presença de transtornos mentais que definem isso. Estar em situação de rua é viver uma situação de violação permanente de direitos”. 

Encerramento 

O fechamento dos trabalhos contou com a presença institucional de Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, que ressaltou a importância da assistência social no auxílio às pessoas em situação de rua. “Trata-se de um dos pilares da sociedade. Muito se fala do investimento social em saúde e educação, que são importantes, mas ainda se fala pouquíssimo dos investimentos em assistência social. O orçamento é muito pequeno perto da necessidade da assistência social”, explicou. 

A psicóloga Cida Bento, conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), afirmou a importância do seminário ter sido diverso e que “é preciso mudar o olhar das pessoas sobre a população de rua.”  

No encerramento, Maria Alice Setúbal, conhecida como Neca Setúbal, socióloga e presidente do conselho de administração do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), reitera que “é necessário um olhar sistêmico para essa situação”. 


O seminário teve transmissão ao vivo no canal da Fiesp e está disponível na íntegra:

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