A separação conjugal traz sofrimento a todos os envolvidos, principalmente às crianças. Mesmo quando o término da relação é benéfico para o casal e os filhos, inicialmente a dor é inevitável. A intensidade do trauma pode, porém, ser atenuada se a perda se limita à relação do casal, não se estendendo a conjugalidade à parentalidade, ou seja, não permitindo que as relações entre pais e filhos sejam afetadas exageradamente pelo desentendimento dos adultos. Mas nem sempre isso acontece. Muitas vezes a criança é utilizada como bucha de canhão na guerra litigiosa entre os ex-parceiros. Muitas vezes a forma de ganhar na balança é desqualificar um dos genitores para atingi-lo no que lhe é mais precioso.
Andreia Calçada
A alienação parental é justamente essa “programação” para que a criança odeie um de seus genitores sem justificativa. A síndrome se manifesta, em geral, mas não exclusivamente, no ambiente da mãe das crianças, principalmente porque é a mulher que detém a guarda na maior parte das vezes, com a maior parte de tempo de convivência.
Entre as manifestações típicas de genitores alienadores incluem-se manobras, manipulações, táticas psicológicas e implementação de falsas memórias, realizadas sistematicamente. Elas podem ser conscientes, inconscientes, explícitas ou encobertas. O que pode iniciar-se como uma fabricação intencional, pode tornar-se inconsciente, automática e profundamente incorporada, fazendo com que esse genitor não compreenda o mal causado aos filhos. A campanha pode se prolongar por longos anos e, quando realizada diariamente, é uma questão de tempo até que a criança passe a realizar a campanha de desmoralização junto ao genitor alienador.
A forma mais grave de alienação parental é a falsa acusação de abuso sexual, especialmente quando os filhos são pequenos e, portanto, mais manipuláveis. A apuração de uma acusação de abuso sexual envolve vidas humanas em todas as esferas: pessoal, emocional, funcional e outras. Uma avaliação sem critérios e tendenciosa trará graves consequências para o acusado e para o menor envolvido. Para avaliar com isenção, o profissional não deve ater-se a pré-conceitos tipo “mãe é mãe”, “pai não sabe cuidar de filho”, “mães só querem o bem do filho” ou acreditar em afirmações tais como: “estou fazendo isto porque amo meu filho”, “porque o pai é um mau exemplo” etc. Crenças preconcebidas como essas podem levar a uma identificação e a um envolvimento intenso com o acusador, criando uma situação de parcialidade.
O aumento crescente das falsas acusações infelizmente não significa que não existam verdadeiros abusos nessa matéria. Compete aos profissionais distinguir o verdadeiro do falso.
Depois de todos esses anos trabalhando com crianças e pais envolvidos em separações litigiosas (na sua maioria) e os temas ligados ao assunto, consigo ver avanços, mas também muita desinformação, tanto por parte do público em geral quanto dos operadores do direito.
A guarda compartilhada foi uma conquista da sociedade brasileira, em 2008, principalmente das associações de pais que lutam pela convivência com seus filhos. A guarda unilateral, forma conservadora de se cuidar dos filhos, não acompanhou as mudanças sociais, em que homens querem ser pais presentes e não apenas visitantes. Em casos de litígio, a guarda unilateral é armamento pesado na mão daquele que a tem. A sensação de posse é nítida. Quando um dos dois resolve sair do casamento, casar-se de novo, não dividir os bens da forma desejada ou não pensionar alimentos da forma esperada, o filho pode virar moeda de troca. De forma consciente ou não. Importante se faz que os mecanismos de prevenção sejam utilizados como a informação à população em geral, aos profissionais que lidam com famílias, escolas, ao Judiciário, bem como o apoio à guarda compartilhada, à lei da alienação parental e à mediação de conflitos que objetiva abrir um canal de diálogo entre as partes. Que os pais possam ser pais e os filhos possam ser filhos após as separações.
* Andreia Calçada, psicóloga, é psicoterapeuta e autora do livro ‘Perdas irreparáveis: Alienação parental e falsas acusações de abuso sexual’
Fonte: Jornal do Brasil