Na lógica absurda da revista ‘Atrevida’, todas temos de ser brancas e não ter ‘cabelo ruim’. Caso contrário, o FLY BR ri de você
por Djamila Ribeiro, do Carta Capital
A revista Atrevida deste mês resolveu entrevistar a banda Fly Br e saber a opinião dos três integrantes sobre como uma mulher deve ser. Entre algumas perguntas bobas, algumas respostam chamam a atenção.
Sobre meninas postarem foto de biquíni, o vocalista Paulo diz: “Às vezes posto foto sem camisa, então quem sou eu pra julgar? Acho legal, mas a menina deve se portar como menina”. E o show de horror continua. Sobre pelos coloridos, um deles diz: “não, não, natural é melhor!” Fora isso, há dicas de como ter o “corpo perfeito” para o verão, dicas de dietas.
Levando em consideração que essa revista é destinada ao público adolescente, é realmente preocupante essas imposições e como isso afeta as meninas. Não é de se espantar o número cada vez maior de anorexia e bulimia entre as adolescentes. Essas revistas deveriam influenciar as meninas a se amarem sem aprovação masculina, oferecer modelos positivos e não reforçar imposições machistas.
Não se dando por satisfeitos, ao serem questionados sobre meninas que usam tranças, um deles, Caique Gama, diz: “É bonito. Para quem tem cabelo ruim é uma salvação”. E a resposta racista é seguida por risos dos três integrantes.
Como negras sabemos que nossa estética é estigmatizada numa sociedade racista. Levando em consideração que mulheres negras são as que mais usam tranças, e trata-se de uma estética negra, fica evidente a piada racista. Imaginem uma menina negra de 12 anos lendo isso? Já não bastasse a invisibilidade de meninas negras nesse tipo de revista (façam o teste e folheem uma), elas ainda reforçam estereótipos racistas e sexistas.
Muitas de nós cresceram ou crescem ouvindo esse tipo de afirmação, além de raramente ver mulheres de cabelos crespos na mídia. São absurdos tanto a resposta do cantor teen como o fato de a revista publicá-la. Num mundo como o de hoje que oferece uma gama de informações sobre as questões raciais, racismo, é indesculpável a revista permitir esse tipo de abuso.
Como mulher negra que usa tranças e tem cabelo crespo me sinto pessoalmente ofendida. Como dizem em memes que viralizaram pelas redes sociais “meu cabelo não é ruim, ruim é seu racismo” ou “ruim é ter que aguentar e ouvir gente racista”.
A pergunta que não quer calar é: até quando algumas revistas julgarão que mulheres devem seguir exigências masculinas? Até quando se sentirão no direito de serem racistas? Até quando vão impor regras ao corpo e comportamento das meninas?
Cada mulher deve se sentir bem com seu corpo, mas é praticamente impossível quando se é ensinada a se odiar e a seguir um padrão inatingível do que é belo, sobretudo para a mulher negra.
Além disso, existem mulheres lésbicas que não estão nem aí para o que é necessário para agradar um homem. Para piorar, essa edição da revista vem acompanhada com um esmalte que leva o nome “Homem que amamos: Zeca chamou pra sair”.
Os integrantes da banda tentaram amenizar a situação depois que o caso ganhou destaque e vários internautas mostraram indignação. Caique, em sua página do Facebook, disse ter feito uma brincadeira e sido mal interpretado. Pois é, para essas pessoas racismo é sempre um mal entendido.
Em vez de assumir o erro e se desculpar, prefere se esconder por trás de desculpas ridículas. Para coroar sua desculpa, Caique disse ser do bem. Sabemos bem como se portam os “cidadãos de bem” nessa sociedade, naturalizando opressões e se esquivando da responsabilidade de desconstruí-las. O problema é sempre de quem se sente ofendido e não de quem ofendeu.
O fato de a revista publicar respostas como essas e o comportamento dos integrantes do Fly Br me fez lembrar uma frase célebre de Simone de Beauvoir: “O machismo faz com que o mais medíocre dos homens se sinta um semideus diante de uma mulher”.
Com isso, aprendemos que dentro da lógica absurda da revista, só podemos ser atrevidas se for para agradar homem. Mas vejam bem, para isso deve-se ser branca e não ter “cabelo ruim”. Caso contrário, o FLyBr ri de você.
Leia Também: Integrantes da banda Fly são acusados de racismo