Por: Mônica Francisco
Vendo o artigo de Davison Coutinho, também colunista do JB, pensei em falar sobre o Dia das Crianças, até porque, minha coluna sai neste dia. Achei que seria bom pensar na infância e falar da infância.
Escrevi aqui nesta coluna durante as férias escolares do início do ano que as pipas já não coloriam tanto o céu das favelas. Meses depois, vi surgir um lindo festival de pipas em um sábado ensolarado aqui pelo Borel.
Mas meu assunto estava guardado para uma ocasião oportuna. E esse é o momento, pelo menos eu acho que será bom falar um pouco disso, já que ainda não conseguimos lidar bem com o assunto e vamos acumulando assuntos mal resolvidos ou se preferirem, “esqueletos no armário”, como dizem por aí.
Não lembro bem como foi e nem quando foi que deixamos de ver as crianças como crianças e imputar-lhes o vulgo de “menor”,e depois “menor infrator” aos que de alguma forma cometem delitos ou infringem regras sociais. Ninguém diz “criança de rua”, “criança infratora”
Não me lembro quando lhes tolhemos o direito sagrado de serem crianças até na categorização social, e o que é mais perverso nisso tudo, e me faz pensar que isso é prática resultante de nosso desejo de que elas sejam alçadas a um outro patamar, para que a partir daí, nos sintamos menos culpados em destruir-lhes um pouco do que têm de belo, a infância.
Penso que nós, sociedade brasileira, estamos vivendo momentos estranhos. Não nos inquietamos e nem prendemos o fôlego de vergonha e humilhação quando vemos uma criança amarrada a um poste.
Não nos indigna vê-los dormindo na rua. Não são crianças, são menores. As palavras nos fazem o favor de aplacar nossa culpa. Ser menor, ser menos, não ser.
Não dar-lhes o direito de serem crianças, apesar de que, de alguma forma, têm ou tiveram algum comportamento desviante, é a possibilidade de nos isentar das consequências que lhes serão impostas com nossa aquiescência.Sejam, quais forem, e esse é o problema.
O uso do termo menor nos conforta e alivia a consciência. Foi um “menor” que foi assassinado no alto do Sumaré, foi um menor que, malfadada hora, cruzou o caminho de um sádico que queria descarregar a arma um pouquinho.
São “menores”, e não crianças, que vagam como zumbis consumidos pelo crack, e isso nos conforta ao nos depararmos com acena ingrata.
Poderíamos começar a trocar, só a título de experiência, a palavra menor por criança e experimentarmos o efeito disso em nossas, por muitas vezes, embotadas consciências.
Que neste domingo, mais que mudar a sua foto no facebook e lembrar suas estripulias de criança, ofereça um pensamento àqueles que mais do que uma infância roubada, não vão ter o direito nem de ser chamado de criança.
E a propósito, que como as pipas, venham melhores propostas para nossas crianças, do que as masmorras e o ódio. Feliz Dia das Crianças!
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@MncaSFrancisco)
Fonte: Jb