Ser mulher, candidata e feminista!

Algumas das atuações de nós mulheres feministas estabelece-se na reivindicação de direitos e também na denúncia da violação desses direitos. Uma dessas frentes se realiza no combate ao machismo, sobretudo, no combate da violência contra a mulher. No Brasil, 12 mulheres são mortas todos os dias em razão dessa violência. Devemos atuar principalmente de forma a prevenir a violência, e não somente depois que ela se realizou.

Por Xenia

A Lei Maria da Penha prevê várias medidas de prevenção, que já foi abordado pela Renata Lima aqui. Essas medidas, necessitam invariavelmente da atuação positiva do Estado, por exemplo, na integração e capacitação dos serviços que atendem às mulheres vítimas de violência, como a segurança pública, assistência social e saúde, na promoção de uma educação plural com acessibilidade e não sexista, racista, transfóbica, lesbofóbica, na promoção de campanhas permanentes e educativas de prevenção à violência contra a mulher, considerando os mais variados públicos alvos.

A reivindicação dessa atuação do Estado pode se realizar de várias formas, seja por meio da sociedade civil organizada, que pressiona através de associações feministas e por direitos humanos, das manifestações e ocupação da cidade como a Marcha das Vadias, seja também através da ocupação direta do Estado nos espaços de poder, em cargos legitimados a formular, legislar, e executar, como por exemplo os mandatos representativos. É sobre isso que quero falar, sobre o exercício de mandatos representativos feministas.

O mandato representativo é o instrumento que hoje temos na política partidária brasileira. Ele serve para representar, e também atender os interesses dos mais variados grupos que se organizam na sociedade, desde aqueles envolvidos com movimentos sociais como os de luta pela moradia, pelos direitos das mulheres, da população negra, LGBT, passando por aqueles envolvidos com grupos religiosos, como a bancada evangélica, e também com grupos econômicos, como os ruralistas, do agronegócio e empresarial. Nesse sentido, mandatos representativos feministas se inserem na lógica dos movimentos sociais e servem para canalizar as reivindicações feministas, tais como a defesa da legalização do aborto, o enfrentamento da violência contra a mulher, uma educação plural inclusiva e não sexista. Daí a importância de ocuparmos o espaço político com as nossas reivindicações.

O tempo vivenciado no movimento feminista em Curitiba, permitiu que em um determinado momento eu atribuísse a necessidade de ocuparmos os espaços políticos, e, para isso, diante do sistema político atual, era também necessário filiar-me. É preciso destacar, que a lógica da política, e por consequência dos partidos, é uma lógica masculinizada, e muitas vezes machista. Assim, a militância feminista passa a ocupar também os partidos.

Diante disso, gostaria de fazer um pequeno depoimento do que é ser mulher, feminista e candidata. Quando me filiei, acreditava que esse desafio da candidatura viria em um tempo distante. Entretanto, foi a convite das mulheres do meu partido, em razão do fortalecimento do núcleo feminista de mulheres, que o meu nome surgiu como possibilidade de candidatura. Tal convite foi reflexo do amadurecimento do núcleo, da minha história de militância e inserção nos movimentos sociais (especialmente o feminista e LGBT), e de inúmeras pessoas apoiadoras que acreditavam na necessidade de Curitiba ter uma candidatura feminista, que defendesse as mulheres trans*, negras, lésbicas, surdas e trabalhadoras.

Marcha das Vadias de Curitiba – Julho/2012.
Arquivo pessoal, foto de Julio Garrido.

Construir uma campanha feminista é uma escolha que exige muito da gente. Primeiro é enfrentar o ambiente machista da política, não é incomum ouvir comentários sobre meus atributos físicos nos espaços de campanha e nas ruas, superar e realizar a crítica de que somos além de objeto de desejo sexual, mas, sobretudo, temos propostas e conteúdo ideológico e político é algo constante e permanente, todos os dias. Há também o desafio de realizar uma campanha com recursos modestos, no partido do qual faço parte, somos contrários a obtenção de recursos de grandes empresas, nossos recursos são integralmente financiados pela militância e pessoas apoiadoras. Assim, a campanha se faz muito pela criatividade e trabalho voluntário das pessoas que acreditam, o que fortalece não somente a campanha, mas toda a militância feminista.

Uma grande felicidade, mas que ao mesmo tempo é uma demanda que exige muita energia, é o caráter pedagógico da campanha. Nós feministas a todo momento realizamos intervenções na sociedade, seja numa conversa de pessoas amigas em que muitas vezes se faz uma piada discriminatória, seja explicando as razões de se defender a legalização do aborto, por exemplo. Porém, ao assumir uma candidatura feminista essa intervenção passa a ser numa escala muito maior, pois em todos os espaços seu feminismo é questionado. “Você é tão legal, mas você é feminista!”, “Eu não gosto do feminismo!”, “O que é cissexismo?”. Sim, a campanha é uma incansável oportunidade de pedagogicamente falar sobre o feminismo, e todas as suas bandeiras, a transfeminista, a de enfrentamento à lesbofobia, ao racismo, à necessidade de políticas de acessibilidade e inclusão da comunidade surda, à necessidade de garantia de direitos às mulheres catadoras de materiais recicláveis, a defesa da democratização da mídia e da internet, que sejam plurais e não sexistas. Enfim, é um desafio que demanda muita, mas muita energia, mas ao mesmo tempo traz uma felicidade incomensurável, e, possibilita que ainda mais pessoas passem a fazer parte e vivenciar o feminismo.

xenia 2Pornô Feminista e teoria queer – Setembro/2012.
Arquivo pessoal, foto de Julio Garrido.

Não, nem tudo são flores. A disputa eleitoral da forma como percebemos hoje, invisibiliza o discurso feminista! Nos horários de propaganda eleitoral vemos uma enxurrada de campanhas que somente reconhecem a família “margarina” e ignoram uma pluralidade familiar, como as famílias de mães solteiras, famílias lesbo e homoparentais. Vemos também a invisibilidade da mulher trans*, da mulher surda, às politicas voltadas à população negras são ignoradas. A necessidade de um transporte público de qualidade que diminua a vulnerabilidade de assédio contra as mulheres não está no debate político hegemônico. A defesa de uma educação de respeito no trânsito, que seja não sexista e que promova que mais mulheres, gestantes, pais e mães com filhos peguem suas bicicletas e ocupem a cidade também não faz parte dos programas da grande maioria dos políticos e partidos.

A política da forma como está hoje, invisibiliza a mulher. Todo momento a minha idade é questionada, o meu corpo medido. A nossa subjetividade e a autonomia do nosso corpo são violadas e invisibilizadas. Há situações em que somente pelo fato de você fazer campanha, e por consequência pedir votos, machistas de plantão se sentem no direito de te tocar, beijar, segurar e assediar. Não, não é porque precisamos de votos, não é porque estamos em campanha nós permitiremos a violência, a autonomia do meu corpo a minha subjetividade não podem ser violadas.

Construir uma campanha feminista é não ter medo de debater aquilo que é urgente e necessário, é não ter medo de denunciar qualquer violação – vejam se em suas cidades os partidos e coligações respeitam a lei eleitoral que garante um percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas. A coragem e a ousadia são requisitos indispensáveis a construção de uma candidatura feminista, pois o medo, é o que mata, o que abusa, o que permite o político corrupto, o que alimenta o machismo.

Posso não ter certeza da vitória das eleições, mas tenho certeza da vitória da campanha. Sim, ocupamos o horário eleitoral, ocupamos as ruas, ocupamos a cidade, ocupamos a política, com o discurso feminista, inclusivo e plural. Esse é só mais um passo, de muitos. Avisamos que não retrocederemos tampouco vamos ceder. Viemos para ficar, ocuparemos todos os lugares, às ruas e a política, até que todas as mulheres sejam livres e respeitadas! Um viva a todas as mulheres!

Fonte: Blogueiras Feministas

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