“Sim, nós podemos”: o maior legado dos oito anos de Obama. Por Marcos Sacramento

Faltam poucos dias para o fim da era Obama. Lembro o quanto fiquei empolgado ao conhecer o então senador em 2007, por meio de um vídeo da convenção Democrata daquele ano postado no Youtube.

Para mim, ver um negro com possibilidades concretas de comandar a maior potência mundial foi um alento no cenário onde os espaços privilegiados eram dominados por brancos. Embora naquele tempo eu fosse leigo em questões raciais, me incomodava a escassa presença negra em postos de destaque que não fossem no esporte ou na cultura pop.

A eleição de Obama, no ano seguinte, deu o seguinte recado ao negros e negras dos Estados Unidos e de países como o Brasil, onde somos uma minoria apesar sermos a maior parcela da população: “Sim, nós podemos”.

Este simbolismo inquestionável não poupou os dois mandatos de Obama das críticas de parte da comunidade negra. Muitos acusam os poucos avanços no sentido de diminuir a ainda persistente discriminação racial nos EUA e a excessiva suavidade discursiva ao se manifestar a respeito da epidemia de assassinatos de jovens negros pela polícia.

Fora do âmbito racial, a conduta política do Nobel da Paz de 2009 também foi alvo de questionamentos, mesmo com a inclusão de 20 milhões de pessoas a serviços de saúde por meio do Obamacare.

As atividades de espionagem da NSA, inclusive no Brasil, as vítimas civis dos ataques de drones, o apoio a Israel no massacre contra Palestinos, a severa pena imposta a Chelsea Manning, a perseguição a Edward Snowden e o apoio a insurgências que desmantelaram a Líbia e a Síria estão entre os esqueletos nem um pouco escondidos no armário do Obama.

É preciso, contudo, prestar atenção em duas coisas.

Obama poderia ter tentado fazer mais pelos negros americanos, mas ele não foi um monarca com plenos poderes e precisou negociar com um Congresso majoritariamente branco para governar. Nem o otimismo da Amelie Poulain permite acreditar em mudanças radicais para o povo preto vindas desse parlamento.

A outra questão a levar em consideração é que apesar do carisma e da mística de ser o primeiro negro na Casa Branca, ele foi eleito para defender os interesses dos EUA e dos vários grupos de pressão que o ajudaram a chegar ao poder.

Infelizmente, a agenda do Tio Sam nunca agradou e jamais agradará a todos. Para quem achou que Obama seria um super-herói a serviço da paz mundial e união de todos os povos, recomendo uma temporada da série House of Cards.

Essas limitações e contradições não diminuem a importância da presença inspiradora dos Obama na Casa Branca.

Quantos jovens e crianças negras passaram a acreditar nos próprios sonhos depois de ver um semelhante à frente do cargo mais importante do planeta? Quantas meninas ficaram com mais autoestima ao se ver nas irmãs Sasha e Malia Obama?

Impossível saber, mas certamente são muitas. Assim como os ícones Rosa Parks e Martin Luther abriram caminho para uma geração de líderes, Obama quebrou uma barreira que muitos pensavam ser inexpugnável e assentou mais um degrau para que as próxima lideranças negras continuem na caminhada rumo à igualdade.

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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