“Símbolos negros estão em alta, mas nas mãos de pessoas brancas”

A professora Patricia Anunciada fala sobre apropriação cultural e a importância do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas.

No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. Para reforçar a importância dessa data, neste mês, CLAUDIA procurou mulheres negras formadoras de opinião e militantes da causa para discutir temas como apropriação cultural, racismo e representatividade. Como resultado, lançamos uma série de entrevistas sobre a importância de se debater cada vez mais as questões raciais no Brasil.

Patricia Anunciada é professora de português e inglês em duas escolas da rede pública de ensino de São Paulo. Tem orgulho do cabelo afro, dos traços negros e dos estudos em Literatura Afro-brasileira. “Mas nem sempre foi assim”, ela conta. Dois acasos mudaram sua vida: há 10 anos, ao se submeter a um procedimento químico, seu cabelo caiu: “Prometi que nunca mais faria isso comigo e passei a tratar os fios com naturalidade”.

O outro acaso foi ter encontrado a pesquisa de Nilma Lino Gomes – pedagoga e ex-Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – sobre estética negra. “Mudou minha mentalidade e meu olhar”, diz. Tanto nas aulas para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, Patricia faz questão de abordar a questão racial para que seus alunos não precisem de casualidade para que suas vidas mudem. Para ela, a chave está na Educação.

CLAUDIA: Para você, como a beleza negra é vista nas escolas?
Patricia Anunciada: Quando eu era adolescente, eu tinha vergonha dos meus traços e do meu cabelo, eu queria me esconder. Ainda percebo essa tentativa nas escolas. Vejo meninas alisando o cabelo, colocando gel, prendendo os fios. Mas também identifico uma mudança sobre o entendimento da própria beleza. Algumas garotas falam que querem ter o cabelo como o meu, me perguntam quais produtos eu uso, onde corto o cabelo. Hoje tenho orgulho da minha beleza e fico feliz quando isso inspira outras mulheres a se reconheceram. Porque não é só uma questão de estética, é um ato político.

 

E a cultura negra é abordada no ensino básico?
Temos raízes negras e muitos alunos negros nas escolas públicas, mas foi preciso uma lei para obrigar o estudo da história e da cultura afro nas instituições. Estamos desenvolvendo projetos e recebendo livros sobre temas raciais e cultura africana. Isso faz diferença para os alunos.

Como você enxerga o espaço da cultura negra no Brasil hoje?
Infelizmente, ela continua ligada ao periférico. A produção artística é grande em lugares como Capão Redondo, onde há um predomínio da população negra. A poesia, por exemplo, é rica e difundida em saraus. Tem o Sarau do Binho, da Cooperifa e do Fala Guerreira! (formado apenas por mulheres). Mas, aos poucos, isso vai sendo mais conhecido em eventos fora dessas áreas e pela internet. É o caso das poetizas Jennyfer Nascimento e Elizandra Souza, e dos poetas Sérgio Vaz e Allan da Rosa.

 

Ao mesmo tempo que a cultura negra é afastada, ela é incorporada à cultura branca de certa forma. Você acha que há uma apropriação nisso?
Sim, diversos símbolos da cultura negra estão em alta, mas nas mãos de pessoas brancas. O problema é que eles estão sendo mercantilizados e estão perdendo seus significados. A religião afro-brasileira virou quase que um estudo antropológico, algo exótico. Iemanjá teve a pele clareada, o acarajé está sendo conhecido como bolinho de Jesus e o turbante virou um simples acessório. O turbante é uma peça histórica, religiosa e de empoderamento feminino. E pior, a população negra está sendo diminuída por fazer uso desses símbolos. Eu já sofri preconceito por estar usando um turbante e vejo o preconceito contra negros de tranças, rastafáris e dreads. As pessoas se sentem no direito de atacá-los e diminui-los. Quando está na cabeça de alguém branco é “estiloso”. São dois pesos e duas medidas para coisas iguais.

 

Como podemos mudar isso?
É preciso que as pessoas reflitam sobre o assunto. Há uma falha na educação. Precisamos educá-las para que respeitem esses símbolos e também entendam a religião afro como algo sagrado. Não só em novembro, o ano todo. Mas é difícil trabalhar com isso e ter o apoio do poder público e da sociedade. Há um oposicionismo que dificulta a entrada das religiões negras nas escolas, por exemplo. Precisamos abordar esses temas, dialogar a respeito.

E na Literatura, sua área de estudo, como a questão é tratada?
Falta representatividade. Curiosamente, a maioria dos autores que escreve livros com temáticas negras é branco. E isso traz o problema da reprodução estigmatizada. Muitos se apropriam do tema sem romper com os estereótipos. Precisamos da visão negra, do protagonista. O autor negro ainda é visto como menor, tratado de forma superficial. E a autora negra sente ainda mais dificuldade de aparecer. Há muito conteúdo de qualidade sendo produzido, mas há outro problema que é a divulgação. Também precisamos – e temos direito – de espaço.

Leia Também:

“A mulher negra não é vista como um sujeito para ser amado”

+ sobre o tema

Passeio pela mostra “Um defeito de cor”, inspirada no livro de Ana Maria Gonçalves

"Eu era muito diferente do que imaginava, e durante...

Taís faz um debate sobre feminismo negro em Mister Brau

Fiquei muito feliz em poder trazer o feminismo negro...

Conheça a história de Shirley Chisholm, primeira mulher a ingressar na política americana

Tentativas de assassinato e preconceito marcaram a carreira da...

Roda de Conversa: Mulher, raça e afetividades

O grupo de pesquisa Corpus Dissidente promove a roda...

para lembrar

Caneladas do Vitão: Uma vez Anielle, sempre Marielle 2

Brasil, meu nego, deixa eu te contar, a história...

Cida Bento – A mulher negra no mercado de trabalho

Sinceramente eu nunca dei para empregada domestica acho que eu...

Primeira vereadora negra eleita em Joinville é vítima de injúria racial e ameaças

A vereadora Ana Lúcia Martins (PT) é a primeira...

Representantes da AMNB fazem reunião com ministra Luiza Bairros

Por volta do meio dia desta quinta-feira (14), as...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=