Racismo e negritude – Autoestima – Bloco 1

O número de pessoas que se declaram pretas ou pardas cresceu mais de 5% na última década. O dado, do IBGE, mostra que mais gente está se reconhecendo como negra. A Rádio Câmara apresenta, nesta semana, a Reportagem Especial “Racismo e Negritude”. Autoestima, racismo, violência, empreendedorismo e legado dos povos africanos são os temas que vamos tratar. Acompanhe agora o primeiro capítulo, com a repórter Verônica Lima

Do Câmera

Brunielly Keith tem 20 anos. Alisou o cabelo dos 8 aos 18. A mãe, que é branca e de cabelo liso, decidiu pelo alisamento porque não sabia como cuidar do cabelo da filha, numa época em que não havia salões especializados em beleza afro, nem cosméticos específicos para esse público:
“Eu não culpo a minha mãe por isso não, porque ela, simplesmente, não sabia cuidar e tinha-se a visão de que o cabelo cuidado era o cabelo alisado, né? […] Não sei se, na época que minha mãe alisou, se houvesse princesas, que hoje tem princesa negra, se tivesse mais representatividade, talvez ela não teria alisado, porque ela se espelharia em outras para me deixar crespa dessa forma.”
A Iara Francisca da Silva é dona do Salão Beleza Afro, em Brasília. Ela conta que muitas mães brancas casadas com homens negros, como é o caso da mãe da Brunielly, ainda enfrentam a dificuldade de não saber como lidar com o cabelo crespo da filha. Iara considera que seu trabalho no salão é quase uma terapia, pois, para além do desconhecimento, segundo Iara, há ainda mães que não aceitam a negritude da filha:
“Chega aqui e fala ‘corta, passa máquina no cabelo dela, porque vai começar as aulas’ e a gente se meter e falar ‘para quê vai cortar o cabelo dela, por que não faz uma trança?’. ‘Não, não, trança não’, sempre tem aquela resistência. A gente vai acolhendo, aí umas ficam com raiva, não voltam mais. Outras voltam e começam a trabalhar aquilo, outras desde pequena vêm só alisando, agora a menina só trança.”

Dados do IBGE mostram que o número de pessoas que se declaram pretas ou pardas cresceu mais de 5% entre 2004 e 2014. Isso não quer dizer que estejam nascendo mais negros no Brasil, mas que mais pessoas estão se reconhecendo como negras. A Brunielly conta como foi essa transição, que não ocorreu sem resistência. Um parente chegou a perguntar se ela precisava de dinheiro para alisar o cabelo. E alguns colegas de faculdade disseram que ela deveria cortar ou passar creme, pois ela estava, nas palavras deles, “levando a sério demais essa história de ter cabelo natural”.

“31 de dezembro de 2013, eu estava fazendo chapinha pro réveillon, olhei no espelho e falei: gente, eu não sei como eu sou. Aí eu perguntei pra minha mãe como era meu cabelo. Ela me mostrou algumas fotos e eu apaixonei. […] É engraçado, porque eu sempre achei que eu era negra, mas o fato de alisar e todo mundo falava: não, você é parda, você é tão clarinha pra ser negra; não, negra, você está louca? Como se ser negro fosse uma coisa ruim.”
O arquiteto e militante do Movimento Negro Zulu Araújo resume bem essa resistência enfrentada pela Brunielly ao se apresentar como negra:


“No Brasil, não existe definições claras do fenótipo das pessoas. Então você pode ser escuro, escurinho, moreno claro, moreno escuro, cor de formiga, mulato, você tem uma infinidade de cromos para designar os que são afrodescendentes como mecanismo de dizer o seguinte: não sendo preto, tudo vale.”

Não são poucas as pessoas que estão lutando para mudar o significado do que é ser negro no Brasil. Outro exemplo é a socióloga Luciana Bento, que virou blogueira e livreira ao buscar referências para dialogar com as duas filhas sobre racismo e negritude. Além do blog “A mãe preta”, sobre maternidade negra, Luciana criou também a InaLivros, livraria focada em obras escritas e protagonizadas por negros. Um terceiro projeto é o blog “100 livros infantis com meninas negras”.

Fazendo esse trabalho, Luciana descobriu um universo de pessoas que estão se mobilizando para trazer mais conteúdo voltado à inclusão das pessoas negras na sociedade. São blogueiras, militantes e pais que querem ensinar seus filhos a superar o racismo. Muitos compram livros de protagonismo negro e doam para o acervo das escolas:
“Então eu acho que seria muito interessante que os pais brancos também procurassem esses livros com protagonistas negros e apresentassem esse livro para criança de uma maneira natural. Você não precisa chegar para uma criança e falar que aquele personagem é negro. A criança vai olhar e vai ver, e se ela tiver coragem vai perguntar. Se não tiver, ela vai entender como uma pessoa qualquer e acho que vai desconstruindo esses preconceitos cristalizados na nossa sociedade.”
A deputada Rosângela Gomes, do PRB do Rio de Janeiro, dá um exemplo de algo que aconteceu com ela, mulher negra, e que revela essa naturalização do racismo no nosso cotidiano:
“Entrei na Colombo pra tomar café. E um casal de pessoas brancas chegou perto de mim e perguntou assim: que horas fecha o estabelecimento? Eu estava no balcão esperando meu café. Eu quieta estava, quieta fiquei. O homem perguntou outra vez: que horas aqui fecha, eu quero saber o horário que fecha a cafeteria. Eu quieta estava, quieta fiquei. A esposa dele pediu desculpa, ‘me perdoe, e puxou o marido dela e saiu’”.

Para a deputada, o que esse episódio deixa claro é que nós, brasileiros, estamos acostumados a ver o negro como garçom, mas não conseguimos ainda enxergá-lo como cliente de um restaurante chique. Rosângela Gomes lembra: o Brasil foi construído pela miscigenação. Portanto, precisa resgatar a história do povo negro, que deu sua contribuição com sangue, com a vida. Essa dívida, ela conclui, é impagável, mas o mínimo que podemos fazer é ter respeito pelos negros brasileiros.

 

Reportagem – Verônica Lima
Edição – Mauro Ceccherini
Produção – Íris Cary, Cristiane Baker e Gabriela Pantazopoulos
Trabalhos Técnicos – Carlos Augusto de Paiva

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