Devemos nos questionar sempre o quanto o preconceito de gênero afeta o desenvolvimento da carreira
Marina Brandão *, do CIO
Vivemos num mundo de muita desigualdade de gênero, marcado pelo machismo e preconceito. Pouco a pouco, o mercado de trabalho está se transformando para alcançar mais igualdade e diversidade dentro das empresas. Mas, a verdade é que temos um longo caminho a ser trilhado e as consequências dessa segregação causam inseguranças profundas, fazendo muitos profissionais duvidarem de suas capacidades e conquistas.
A síndrome do impostor é um distúrbio psicológico no qual a pessoa desconfia de suas próprias competências e não consegue aceitar e admitir suas conquistas. Descrita pela primeira vez em 1978, pelas psicólogas norte-americanas Pauline Clance e Suzanne Imes, ambas pesquisadoras da Universidade Estadual da Georgia, o trabalho é resultado de cinco anos de pesquisas com 150 mulheres altamente bem-sucedidas. Hoje, sabemos que a síndrome não é um “privilegio” do mundo feminino, mas o contexto de preconceito que a mulher vive no mercado de trabalho explica, e muito, sobre o porquê da desordem ter sido descoberta na observação de profissionais mulheres.
Se pararmos para analisar o mercado de tecnologia, iremos perceber como um ambiente tóxico faz as profissionais duvidarem de suas capacidades. Sem a inteligência e o trabalho de mulheres, a tecnologia e a internet como conhecemos hoje, não existiriam. O primeiro algoritmo da história foi desenvolvido por uma mulher, chamada Ada Lovelace. O protocolo STP, um procedimento que auxilia na melhor performance da rede, é invenção de outra mulher, Radia Perlman.
Ainda que o papel das mulheres seja de extrema relevância para o desenvolvimento desse setor, nossa sociedade insiste em afastá-las das áreas de tecnologia. Segundo dados apresentados no evento Women in Tech, realizado em 2017, na cidade de São Paulo, pela CA Technologies, 74% das meninas demonstram interesse pelas áreas de STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), mas só 0,4% delas escolhem estudar ciências da computação. O número de cursos de computação cresceu 586% no Brasil nos últimos 24 anos, enquanto o índice de mulheres matriculadas neles caiu de 34,89% para 15,53%.
A baixa representatividade feminina no mercado de TI, infelizmente, é uma consequência residual do preconceito vivido pela mulher na sociedade. Ainda vivemos em uma sociedade que diferencia tratamentos na criação de meninos e meninas, impondo condutas diferentes para cada gênero. Os estereótipos sociais nos colocam em caixinhas e, em algum momento, a tecnologia entrou na caixinha dos homens, possivelmente porque a computação nasce muito relacionada com a matemática, outra característica “tida como masculina”.
Mesmo tendo que conviver desde a infância com a constante provação de suas capacidades, é no banco das universidades que o preconceito de gênero deixa claro que “tecnologia não é lugar para mulheres”. De acordo com o INEP/MEC, as mulheres representam apenas 15% do corpo discente nos cursos relacionados à computação. Constantemente atacadas por colegas, e até mesmo por professores, as mulheres sofrem preconceito e poucas alunas chegam a concluir o ensino superior na área. Outra pesquisa indica ainda que 79% das alunas dos cursos relacionados à TI desistem já no primeiro ano.
Diante de tantos obstáculos e precisando provar constantemente suas competências, não é de se admirar que elas cheguem ao mercado de trabalho inseguras quanto ao que são capazes de realizar. É nesse cenário que a síndrome do impostor se instaura na carreira. Sem confiar na capacidade que tem, a pessoa acredita ser uma fraude, comumente atribuindo seu sucesso à sorte que teve ou à ajuda que recebeu de outras pessoas.
No caso da pesquisa realizada em 1978, e citada no início do texto, as 150 participantes eram de áreas diversas, detentoras de títulos de doutorado, profissionais ou estudantes reconhecidas pelo bom desempenho acadêmico. Apesar das notas máximas, títulos e prêmios recebidos, essas mulheres não se consideram inteligentes ou capazes. Na verdade, de acordo com o estudo, elas acreditavam que todo o sucesso é fruto do acaso, da sorte ou de algum erro no processo.
A insegurança é fruto de um ambiente social opressor. O primeiro passo para mudarmos esse quadro é empoderar as meninas, devolvendo a elas o protagonismo de suas carreiras e incentivando que comemorem suas vitórias. Pode parecer pouco, mas dar apoio, elogiar bons resultados, dar feedback sobre pontos de melhoria e reconhecer o mérito, são grandes propulsores para fortalecer a confiança de nossas profissionais e isso, reforço, precisa vir da educação de base.
Ações de longo prazo, que reconheçam a desigualdade de gênero e o machismo são indispensáveis. Mas, mais importante ainda, é fortalecermos a sororidade, termo que significa a união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo. Precisamos, de maneira urgente, desconstruir a ideia de que mulheres são inimigas. A partir disso, criar redes de apoio e incentivar que as meninas, desde cedo, troquem ideias entre si para que elas se fortaleçam no mercado.
Já existem algumas iniciativas que dão força a essa ideia de rede de apoio, como por exemplo, o programa Meninas Digitais. Um projeto da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) que tem como objetivo acentuar a inclusão e fomento de mulheres na área de tecnologia da informação. Ainda no mercado de TI, existe o Reprograma.com.br, que busca empoderar e ensinar mulheres por meio de conhecimentos de computação e ferramentas de capacitação profissional. É nosso dever participar e dar força aos movimentos que já existem com o fundamento de aumentar a representatividade das mulheres em todos os setores.
Ainda não é possível dizer quando e se seremos capazes de diminuir o preconceito, mas é nosso dever, enquanto sociedade, lutar para criar ambientes de trabalho menos agressivos para com as mulheres. Enquanto recrutadora, espero ver muitas profissionais sendo protagonistas de suas carreiras, assumindo e se orgulhando de suas conquistas. Nos vemos por aí, desbravando as antigas e novas áreas de tecnologia que surgem todos os dias e aumentando a nossa voz como mulheres e ótimas profissionais que sabemos que somos.
(*) Marina Brandão é headhunter da Yoctoo e tem mais de 7 anos de experiência no recrutamento e seleção para as áreas técnicas. Formada em Administração de Empresas e é pós-graduada em Gestão de Pessoas e Negócios